Beatriz Mattiuzzo

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Opinião

Enquanto nos impressionamos com Marte, nosso oceano continua esquecido

A descoberta de um possível oceano líquido sob a superfície de Marte, após análise de dados sísmicos coletados por uma sonda da Nasa, virou manchete nos principais jornais do mundo na última semana.

A notícia impressiona por seu significado intrínseco: sabemos que o que possibilita a vida na Terra é a existência de água e, por isso, o líquido também é foco das pesquisas no espaço. O que deveria impressionar, contudo, é como os recursos dedicados à exploração de outro planeta são muito maiores do que os usados para explorar nosso próprio oceano.

Somando as principais missões, a exploração de Marte já custou mais de US$ 25 bilhões. Enquanto isso, o gasto com a exploração do nosso oceano desde 2000 está entre US$ 6 a 10 bilhões - somando iniciativas governamentais, internacionais e privadas.

Enquanto bilhões são destinados a missões espaciais, menos de 25% do fundo oceânico do nosso próprio planeta foi verdadeiramente mapeado. Ainda temos muito a descobrir sobre o ambiente que cobre mais de 70% da superfície terrestre, e mais do que isso, dar devido valor à água que é fonte da Terra. Ele regula o clima, sustenta uma vasta biodiversidade e é uma fonte vital de recursos naturais, mas passa muitas vezes esquecido nos centros urbanos.

Continuamos a negligenciá-lo por nossa conta e risco. Só neste ano, já vimos manchetes catastróficas: temperaturas extremas nos oceanos alimentando eventos climáticos sem precedentes; perda massiva de recifes de corais no maior evento de branqueamento de corais até o momento e até mesmo a ameaça de colapso de correntes oceânicas vitais.

É nesse contexto que a ONU declarou o período de 2021 a 2030 como a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, conhecida como a "Década do Oceano". Esta iniciativa busca reverter o ciclo de declínio da saúde dos oceanos e mobilizar a comunidade global para uma gestão sustentável dos mares. No entanto, apesar da relevância da iniciativa, os avanços em direção às metas da Década têm sido lentos, especialmente em termos de financiamento e comprometimento político.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14, que visa "conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável", é outro marco crucial na agenda global. Apesar da sua importância, o ODS 14 é o menos financiado de todos os 17 objetivos - resultando em uma enorme oportunidade perdida para melhorar a saúde do planeta e o bem-estar das populações humanas. Priorizar novos investimentos no oceano significa investir diretamente em pescas de pequena escala e nos meios de subsistência de comunidades costeiras vulneráveis, que são frequentemente as mais impactadas pelas mudanças climáticas.

Investir no oceano também é essencial para enfrentar os desafios climáticos globais. O oceano já absorve cerca de um quarto das emissões globais de CO2 anualmente, segurando as mudanças climáticas. Com maior financiamento, poderíamos explorar ainda mais o potencial do oceano em capturar e armazenar carbono - os manguezais, por exemplo, chegam a sequestrar carbono 10x mais rápido que florestas.

Ignorar o oceano é ignorar os meios de subsistência de bilhões de pessoas em todo o mundo, e deixar de cumprir um dos objetivos mais críticos para o futuro sustentável da humanidade. Em meio a todo o fascínio pela possível existência de um oceano em outro planeta, é crucial que não esqueçamos o oceano que temos aqui e pressionamos empresas e governos por atuação. Marte pode ter um oceano escondido — mas o nosso está aqui, esperando para ser entendido, protegido e valorizado.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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