Maré vermelha, virose e petróleo no Amazonas: como tudo se conecta
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O verão chegou e, com ele, as praias lotadas no Sudeste do Brasil. Enquanto batemos mais um recorde de janeiro mais quente da história, quem pode foge do calor e desce para o litoral em busca de sombra e água fresca.
É justamente nesses momentos de sobrecarga que fica claro que o litoral brasileiro não está preparado para receber tanta gente. Dois eventos recentes ilustram bem essa fragilidade: o surto de virose que afetou milhares de turistas e moradores, e a maré vermelha registrada no litoral norte de São Paulo. O que eles têm em comum? Ambos são fenômenos causados pelo excesso de matéria orgânica na água - ou, em outras palavras, pela falta de saneamento básico.
As manchas avermelhadas detectadas em janeiro no litoral norte de São Paulo e no sul do Rio de Janeiro foram causadas pela floração da alga Mesodinium rubrum. Felizmente, essa não foi uma alga tóxica, mas muitas espécies que causam marés vermelhas liberam toxinas nocivas, podendo desencadear problemas respiratórios e matar animais marinhos. O que leva a essas proliferações? O aumento da matéria orgânica na água - geralmente proveniente de esgoto não tratado.
O surto de virose que lotou hospitais e farmácias segue a mesma lógica. A origem mais provável é o contato com água e alimentos contaminados, uma realidade preocupante em cidades litorâneas que ainda não têm estrutura adequada para receber milhares de visitantes. Não é difícil entender essa realidade quando municípios como Ubatuba têm 58% da população sem acesso ao tratamento de esgoto, segundo o Instituto Água e Saneamento.
O acesso a saneamento básico é um direito fundamental que deve ser garantido pelo poder público - e os municípios litorâneos do Sudeste não podem reclamar de falta de recursos, pois estão entre os que mais recebem royalties do petróleo no Brasil. Em 2022, os quatro municípios do litoral norte de São Paulo receberam mais de R$ 632,8 milhões em royalties pela exploração de petróleo, segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Apesar disso, o básico - água tratada e esgoto adequado - continua sendo um problema crônico.
E, aproveitando o momento, lembremos que a exploração do pré-sal não resolveu os problemas estruturais do litoral paulista e carioca para evitar cair no papo que explorar petróleo na foz do Amazonas seria a solução para a os problemas socioambientais da região Norte a partir da geração de recursos financeiros. Antes de prometer riqueza, deveríamos questionar por que esses recursos não estão sendo usados para garantir condições básicas para a população.
No fim, seguimos o mesmo panorama histórico de jogar nossos resíduos no mar. Até as soluções que existem, como emissários submarinos, são mais voltadas para uma diluição do esgoto de forma eficiente no mar do que um tratamento dos dejetos de fato. Eventos como a maré vermelha e os surtos de virose são apenas sintomas - continuamos mergulhando de cabeça em um problema que ninguém quer encarar de verdade.