Escrevivência de Elizandra Souza, em prosa e fogo
Na semana anterior ao início do isolamento social, eu estava no Maranhão. Recebia uma ou outra notícia de um tal coronavírus que se espalhava pelo mundo enquanto prazerosamente debatia a escrita de mulheres negras. De volta a São Paulo, na correspondência acumulada enquanto estive fora, estava o novo livro de Elizandra Souza: "Filha do fogo: 12 contos de amor e cura". A poeta que tanto admiro está agora publicando prosa? Animada, coloquei o livro na cabeceira — ainda sem o hábito de desinfetar com álcool 70 — na expectativa de iniciá-lo nos dias subsequentes. Mas o Tempo, nesta pandemia, não anda para brincadeira. E só quatro meses depois peguei o livro, que já não é tão novo, de Elizandra Souza.
Pisei com ela a terra que fica embaixo de um cajueiro no Cauê, interior da Bahia. Senti os cheiros das panelas de dona Dudu. Testemunhei como uma enfermeira foi revelada curandeira. Temporalidades, espaços e vivências múltiplas de mulheres negras, narradas com a destreza de quem te carrega para a história, como se não existissem mais as palavras, só a experiência. Personagens e imaginários bem construídos a cada conto, nas páginas planejadas por Silvana Martins, revisadas por Luciana Moreno, ressaltados nas ilustrações, em marrom, de Vanessa Ferreira. Mulheres negras, profissionais do livro, convocadas pela Mjiba - Comunicação, Produção e Literatura Negra, cuidada por Elizandra Souza.
O fogo de Xangô e Iansã, que a habitam, está manifestado nos contos mas também na capacidade de realização de Elizandra Souza. Poeta, prosadora, escritora, editora, produtora, jornalista. Elizandra Souza expressa em palavras o espiral de sua escrevivência e cuida de todo o processo de produção e distribuição de seus livros. Quem comprar um exemplar deste lançamento, receberá um pacote feito e levado aos correios pela própria autora. Amor e cura carregados nas palavras, mas também no manuseio generoso da escritora que investe tempo, dinheiro e energia de vida para fazer circular a escrevivência.
"A escre(vivência) das mulheres negras explicita as aventuras e as desventuras de quem conhece uma dupla condição, que a sociedade teima em querer inferiorizada (...)", explicou Conceição Evaristo em 2005. Desta perspectiva, Elizandra Souza inscreve, mais uma vez, no corpus literário brasileiro, imagens da autorrepresentação insurgentes de quem somos. Queima estereótipos e submissões. Incendeia silêncios impostos. Inflama leitoras e leitores a demandarem a nossa escrita. A literatura — que alguns classificam como universal — arde feminina e cada vez mais negra.
Filha do Fogo - 12 Contos de Amor e Cura
Autora: Elizandra Souza
Ilustradora: Vanessa Ferreira
Editora: Mjiba - Comunicação, Produção e Literatura Negra
96 páginas
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