Pantanal em chamas e a urgência de outro pacto coletivo
Crianças indígenas salvando pertences do fogo. Animais mortos, com as patas queimadas, ou o corpo todo carbonizado. Porções imensas de mata consumidas em labaredas. Fumaça escurecendo os dias e intoxicando quem faz registros em celular para denunciar que 12% do Pantanal mato-grossense já foi queimado: quase 19 mil km², equivalente à área da cidade de São Paulo multiplicada 12 vezes.
No período da seca, vegetação, ventos, calor e falta de chuva potencializam o alastramento do fogo, é verdade. Potencializam. Porque o incêndio que consome o Pantanal é resultado da ação humana, como diagnosticaram perícias recentes. Há décadas o agronegócio se expande na região colocando fogo na biodiversidade, expulsando indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais de suas terras; matando animais e vegetais para criar pasto para boi e envenenar o solo com agrotóxicos.
Mas a situação piorou muito este ano, quando o ministro do meio ambiente Ricardo Salles — com apoio do presidente Jair Bolsonaro — viu a possibilidade, durante a pandemia de Covid-19, de "passar a boiada", propondo leis para regularizar a destruição ambiental provocada por um dos principais setores de apoio ao governo: os ruralistas. Além de propostas jurídicas, há clima político para o setor agir livremente. Apenas no primeiro semestre de 2020, os registros de queimadas no Pantanal mato-grossense mostraram aumento de 530% em relação ao mesmo período de 2019.
A indignação e a tristeza que nos consomem precisam resultar em ação política. Além da hashtag #AjudaPantanal, da cobrança dos governos municipais, estaduais e federal na interrupção imediata das queimadas e cuidados com animais feridos, flora destruída e pessoas desabrigadas, é preciso firmar um novo pacto coletivo. O desenvolvimentismo destroi modos de vida e ecossistemas para gerar lucros a poucos. O agronegócio mata ateando fogo, assassinando à bala indígenas e quilombolas, colocando veneno nos pratos de comida consumidos na cidade. Quem elogia o agronegócio "como locomotiva da economia", por produzir o alimento necessária a todos, deveria saber que 70% da comida que chega às nossas mesas vem da agricultura familiar. Incentivo à pequena produção rural, à agroecologia e reforma agrária são respostas para a economia, para a saúde de nossos corpos e para a natureza, assim como os modos de vida e propostas políticas dos povos tradicionais.
O manifesto da Marcha das Mulheres Negras de 2015 deixou registrado:
"Inspiradas em nossa ancestralidade somos portadoras de um legado que afirma um novo pacto civilizatório. (...) A sabedoria milenar que herdamos de nossas ancestrais se traduz na concepção do Bem Viver, que funda e constitui as novas concepções de gestão do coletivo e do individual; da natureza, política e da cultura, que estabelecem sentido e valor à nossa existência, calcados na utopia de viver e construir o mundo de todas(os) e para todas(os). Na condição de protagonistas oferecemos ao Estado e à sociedade brasileiros nossas experiências como forma de construirmos coletivamente uma outra dinâmica de vida e ação política, que só é possível por meio da superação do racismo, do sexismo e de todas as formas de discriminação, responsáveis pela negação da humanidade de mulheres e homens negros."
Para quem se sente muito distante disso tudo, é hora de repensar as bandejinhas de carne e os vegetais envenenados que compra no supermercado. Citando Silvia Federici: "(...) precisamos superar o estado de negação constante e de irresponsabilidade em relação às consequências de nossas ações, resultado das estruturas destrutivas sobre as quais se organiza a divisão social do trabalho dentro do capitalismo. Sem isto, a produção da nossa vida se transforma, inevitavelmente, na produção da morte para outros". #AjudaPantanal
Como ajudar
Ecoa separou uma lista de ONGs e iniciativas que estão lutando para preservar e recuperar o Pantanal, além de oferecer educação ambiental.
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