Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Um sopro de libertação, passou, axé
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Às vezes a gente é agraciado, recebe uma graça e nem se dá conta.
De tanto que o ndotolo está coberto de cinza.
Mas vai passar e, quando passar, a gente vai perceber.
Mesmo que seja tarde.
Muito embora nunca seja tarde pra dar altar àquela entidade que nos socorreu.
Que nos carregou nos braços, nos deu colo quando a gente achava que estava a carregar o mundo nas costas sozinho.
Ela era quem me carregava, me protegia de mim mesma.
Axé.
Não, eu nem queria falar, mas preciso falar sobre a graça de ser ridícula.
Estava esperando o juízo assentar, sabe?
Esperava baixar a poeira e o bom senso repressor que me habita vir à tona.
Mas não quer ir embora, este momento especial que eu chamo déjà-vu.
Só eu posso ver e sentir, voltar lá, voar e sentir, voltar à realidade.
Tem nem como contar, é fruição, é sentimento, é vida.
Amo e sinto que amo, logo existo.
Déjà-vu é palavra nova pra mim e me define.
Todavia tenho andado com as crianças, eu me dei este direito, é muito mais gratificante.
Mandei meu Herodes à merda, ele nem era meu, estava de passagem.
Mas ele por reprimenda se recusa a sair, mas vai.
Precisei crescer e sofrer tanto pra aprender falar que amo sem me remeter ao recorte de novelas estereotipadas que me ensinaram que amor é mérito inalcançável.
E quando a gente ama a primeira coisa que ouvimos é que somos ridículos.
Só é possível amar da televisão pra dentro.
Mas para os infantes amor é outra coisa.
Pessoas grandes falam de amor a carros, status, convênios, locais paradisíacos, dinheiro... Coisas que se possa somar e lucrar.
Eu somo alegrias e pessoas que me fazem sair do estado comum e deixar que eu deixe meu adulto, minha gente grande lá fora.
Eu fico feliz toda vez que consigo encontrar pessoas que amo, mesmo que não me mereçam.
Como hoje, como você.
Existe uma luz que vem quando você chega.
Ela acende dentro de mim quando você avisa "eu vou hein!"
"Não vá embora", "estou chegando", "estou no metrô".
A luz é tão gritantemente forte que não lembro nem quem estava ali comigo.
Nem o que disseram.
A luz que nos banhou só me dizia que você estava ali, dentro do meu abraço, de novo depois de tanto tempo.
Lembro que disseste:
"Mas a gente se viu hoje pela manhã".
Eu respondi:
"É muito tempo."
Tudo isto em pensamento, nenhum de nós esboçou palavra alguma.
Só as janelas de nossos olhos diziam.
Aquela luminosidade que nos banhou só afirmava que era verdade.
Você estava ali.
Eu nem reparei no segurança expulsando todo mundo do lugar pra fechar o estabelecimento.
Eu só sentia você dentro do meu abraço de novo.
Foram segundos.
Assinei meu livro e te entreguei.
E não lembro o que eu disse, mas eu disse.
Você assinou o seu livro antes e acho que me deu.
Eu disse a mim mesma em pensamento:
"Vou ler amanhã".
E teria lido se não tivesse perdido.
Acho que foi do tanto que desejei retê-lo dentro do meu abraço.
Sentindo o bater do peito junto ao meu, alinhando cada batida.
Acho que o livro foi a luz.
Como eu amo você, sei que já disse isso.
Sem querer de você mais nada.
Saber que nós estamos no mesmo universo ao mesmo tempo me faz agradecer a Zambi por me permitir viver esta amálgama liquefeita iluminando tua passagem.
Que o resto do mundo sempre gritou que eu nem merecia.
E que me importa se eu te vejo duas vezes por ano?
Se a luz deste amor fica comigo e clareia todo meu caminho.
E mesmo quando vou pela estradinha de pedras soltas com um galhinho de capim gordura entre os dentes.
Eu estou iluminada pensando em você.
A luz deste amor fica comigo e clareia-me.
Eu carrego esta imensa lanterna e por isso recebo esta luz.
E sigo clareando as trevas da estrada só porque amo e mais nada.
Vai lá saber quando surgirá de novo?
Na livraria, na empresa, no limbo, no metrô, ou nalguma calçada dizendo:
"Receba minha luz de água"
Eu recebo, absorvo, agradeço e sigo.
E te respondo em pensamento.
"Só exista"...
Eu poderia seguir assim pra sempre, mas a campainha soou e a instrutora disse:
"Pessoal, precisamos trocar de sala a pedido da administração"
Pensei comigo, "ainda bem, assim a gente toma um arzinho"
A nova sala estava posta no meio de um jardim imenso, lindo.
Mas tinha uma agravante, mofo.
Onde eu estava mesmo antes de ser jogada neste lugar horrível.
Tenho um hábito antigo que preservo e assumo.
Quando a aula é ruim pra mim escrevo minha real impressão no rodapé do caderno.
Assim vai a conclusão deste dia, desta aula que nem lembro o que era.
E que se deu um dia depois que eu estava muito feliz.
Mas agora estava ali gastando minha luz naquele lugar insalubre.
Apelei para o esvaziamento.
Aprecie com moderação.
Exercício de esvaziamento novembro de 2015
Estou no cercadinho perto da planta que parece pé de amendoim, mas não é.
Tem bem uns cinco tons de verde de acordo como o sol viaja.
Sem flor nenhuma.
O sistema de ramos se esgota pra fora do cercado.
Estende os braços entre a cerâmica do chão.
Um senhor de chapéu palhinha passa com seu rosto avermelhado e triste levando uma senhora de arrasto.
Nenhum vê o outro.
Um táxi, uma Doblò, um poste, uma calçada...
Caíram duas sementinhas sobre mim.
Olhei pra cima e vi uma árvore imensa.
Ela já estava aí? Perguntei a mim.
Ela estava no cercadinho.
Ela, a árvore, pode ver o telhado lá de cima, que privilégio.
Eu queria olhar minhas costas sem usar o espelho.
Quantas telhas compõem o magnífico telhado?
Mais ou menos.
Fazendo média de 1.406 por telhado, quantas serão por cada metro quadrado?
Que me importa, só entendo a matemática da saudade.
Que só soma, nunca subtrai.
Na outra aula, a orientadora falou:
— Pera aí! Você é aluna.
— Permita-me que eu lhe diga que sou qualquer coisa menos aluna. Estou tão iluminada à minha volta que uma coisa que tenho certeza de que não sou é aluna.
Eu tenho minha própria luz.
Silêncio, está passando vários passarinhos, estou ouvindo, mas daqui só vejo antenas e a casa da Santa Inês.
Será que era virgem?
Será que era atriz?
Será que era fera?
Ah! Foi na aula de gestão que foi dito que uma lauda tem 1.406 caracteres.
Cada caractere é um toque.
Então se 1.407 caracteres já podem ser tocados.
Transtorno obsessivo compulsivo.
Não sei, mas lembrei o mais lembrável.
Ao falar com jornalistas lembre-se.
Ele não é seu amigo.
E se for, cuidado com segredos de pé de orelha.
Tudo é noticiável.
Ah! Pequenos amores de mesma empresa que podem causar transtornos e desarranjos familiares.
Também devem ser feitos como o falso pé de amendoim.
Para fora do cercadinho.
Cuidado com recadinhos sobre a mesa, vigie o cesto de lixo.
Rasgue, queime e destrua.
Jornalistas lêem até de cabeça pra baixo.
Eles voltaram os passarinhos.
A grama amendoinzeira tá lá gramando.
Aqui não tem nada que eu possa levar pra você a não ser este vento gelado da p#@$ no meu cangote.
Eu não gosto, a colega do lado gosta, a amendoinzeira idem.
De repente nem é bom pra todo mundo.
Mudou a sala outra vez.
A nova sala é bem arejada, porém tem mofo no teto.
Estou aqui ouvindo, comentando, cismando.
Tenho a impressão que o mofo cresce a cada segundo e que até as 13 horas terá ocupado toda parte interior da sala e engolido cada um de nós.
Fecho os olhos, vejo-me tossindo, cuspindo musgo em forma de S.
Enquanto isso, uma avenca brota de uma orelha.
Um "comigo ninguém pode" surge abraçado com várias espadas de São Jorge.
Penso comigo, Exu chegou é a salvação pra tanta chatice.
Manjericão, guiné e arruda sobem por meus tornozelos procurando apoio, buscando liberdade.
É preciso muito amor pra suportar estas quatro paredes cheias de gente que nem quero conhecer.
Lembro a sala do primeiro ano.
"Cabelo de bombril, negrinha!"
Olha onde me levou esta sala mal cuidada.
Ainda bem que preservo a lanterna acesa.
E sei quem eu sou.
E quero que quem não gosta do meu cabelo se ame e me esqueça.
No fim de tudo a instrutora vai querer ler o que escrevi.
Ela nunca verá, tenho meus meios de esconder cada lauda pra evitar julgamento.
Evito olhar pra o alto, o mofo fala comigo.
— Eu vou aí, menina!
Que horas acaba tudo isso?
Que horas é o café?
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