Carlos Nobre

Carlos Nobre

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Aquecimento global ameaça a maior estrutura viva do mundo

Esta é a newsletter de Carlos Nobre. Inscreva-se para receber gratuitamente no seu email toda terça-feira

Os chamados tipping points, ou pontos de não retorno do sistema terrestre, representam algumas das ameaças mais graves enfrentadas pela humanidade. Trata-se de momentos em que as tensões ambientais podem tornar-se tão graves que grandes partes do mundo natural serão incapazes de manter o seu estado atual, levando a mudanças abruptas e/ou irreversíveis. O seu desencadeamento danificará gravemente os sistemas de suporte à vida do nosso planeta e ameaçará a estabilidade das nossas sociedades.

Cinco grandes sistemas naturais já correm o risco de cruzar pontos de não retorno ao atual nível de aquecimento global:

Recifes de coral de águas quentes

Camadas de gelo da Groenlândia

Regiões de Permafrost (a camada do subsolo da crosta terrestre permanentemente congelada)

Camadas de gelo da Antártida Ocidental

Circulação do Giro Subpolar do Atlântico Norte

Esses sistemas correm o risco de serem ultrapassados já na década de 2030, à medida que o mundo ultrapassa 1,5 °C de aquecimento global. Na biosfera, com aquecimento global de 2 °C, vários sistemas podem tombar, incluindo a floresta amazônica.

Continua após a publicidade

Nas próximas semanas, faremos uma série sobre esses cinco tipping points, além de tratar sobre a Amazônia, assunto recorrente aqui. Para a estreia, vamos abordar o branqueamento da Grande Barreira de Corais da Austrália. Essa estrutura natural é um recife de 2.300 quilômetros de extensão que abriga uma ampla variedade de biodiversidade sendo um dos ecossistemas naturais mais ricos e complexos do planeta e descrito como a maior estrutura viva da Terra.

O branqueamento de corais na Austrália é um exemplo de como a ameaça global representada pela atual crise climática é muito mais grave do que normalmente se entende. As alterações climáticas estão aumentando a frequência e intensidade dos fenômenos meteorológicos severos.

Regiões costeiras como a Grande Barreira de Corais estão particularmente expostas a ciclones, inundações e tempestades prejudiciais ao ecossistema. Estas ameaças poderão materializar-se nas próximas décadas e em níveis de aquecimento global mais baixos do que se pensava anteriormente. O desencadeamento de um tipping point do sistema terrestre poderá desencadear outro, causando um efeito dominó de danos acelerados e incontroláveis.

A região da Austrália está atualmente com alerta no nível 5 (máximo) pelo Coral Reef Watch da NOAA (Agência de Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos) que alerta que o mundo está prestes a ter o quarto evento de branqueamento em massa de corais.

Tartaruga verde nada na Ilha do Lagarto, na Grande Barreira de Corais, perto de corais que sofreram branqueamento
Tartaruga verde nada na Ilha do Lagarto, na Grande Barreira de Corais, perto de corais que sofreram branqueamento Imagem: David Gray/AFP

O branqueamento ocorre quando as temperaturas marinhas ficam 1 °C acima da média a longo prazo. Diante desse estresse térmico, os corais expulsam as algas que vivem em seus tecidos, o que leva à perda de suas cores vibrantes. O tipping point em que 90% dos corais podem ser perdidos é 1,5 °C de aquecimento a longo prazo. Indo além, o desaparecimento de todas as espécies de corais pode ocorrer se a temperatura atingir 2 °C acima das temperaturas do período pré-industrial (1850-1900).

Continua após a publicidade

A maior ameaça aos recifes de coral no mundo é a crise climática atual. De fato, desde o início de março de 2024, as autoridades australianas vêm informando que a Grande Barreira de Corais está passando por um processo massivo de branqueamento, uma deterioração causada pelas mudanças climáticas que envolve a perda de cor dos recifes.

As temperaturas globais atingiram o recorde em 2023 e continuam altas em 2024, chegando a 1,5 °C acima do período pré-industrial, e atingiram os níveis de temperatura do último período interglacial há cerca de 125 mil anos. A quase totalidade dos oceanos também atingiu o recorde de temperatura neste período. Isso está induzindo uma aceleração do branqueamento dos recifes de corais na maior parte dos oceanos, inclusive aqueles do Atlântico Sul, próximo da costa do Brasil.

À medida que o oceano absorve maiores quantidades de dióxido de carbono da atmosfera, sua acidez aumenta. A acidificação dos oceanos tem o potencial de reduzir o crescimento dos corais e enfraquecer as estruturas dos recifes, ameaçando a diversidade da vida marinha que constitui os ecossistemas dos recifes e mantém cerca de 25% de toda a biodiversidade oceânica. Isto pode ter sérias implicações para a Grande Barreira de Corais da Austrália. O branqueamento severo tornou-se mais extenso, frequente e intenso. Isto pode ser visto na aceleração dos eventos de estresse térmico que causam o branqueamento em massa e em novos conjuntos de dados de observação do branqueamento de várias décadas na região.

Se a ação global for insuficiente para conter alterações climáticas, a saúde da Grande Barreira de Corais da Austrália vai ser afetada ainda mais gravemente. É necessária uma ação global urgente para reduzir drástica e rapidamente as emissões de gases com efeito de estufa, se quisermos ter alguma hipótese de salvar os recifes de coral em todo planeta.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes