Como salvar a Amazônia do ponto de não retorno
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A Amazônia tem sofrido intensa degradação nos últimos 50 anos, com a taxa de desmatamento mais alta entre as florestas tropicais do mundo. Anualmente, 16.000 km² de floresta são derrubados, totalizando mais de 1 milhão de km² desmatados e outro milhão em degradação.
A combinação de desflorestamento, degradação induzida pelo fogo e alterações climáticas está causando danos irreversíveis à estrutura física da floresta, que pode entrar em colapso em 2050.
A região amazônica vem evoluindo há dezenas de milhões de anos, principalmente desde a formação da Cordilheira dos Andes, que resultou na expansão geológica, ecológica e climática das áreas com maiores e mais longas precipitações, cobrindo uma área de quase 7 milhões de quilômetros quadrados no norte da América do Sul. Pode-se dizer que esta floresta tropical só existe porque a floresta existe, tendo os seguintes resultados-chave desta evolução:
A maior biodiversidade do mundo
Enorme armazenamento de carbono
Reciclagem de água e de nutrientes muito eficiente
Bioma altamente úmido que bloqueia a propagação do fogo
Cerca de 13% de todas as espécies vegetais e animais conhecidas no planeta Terra são encontradas na Amazônia, sendo cerca de 50 mil espécies de plantas, 16 mil de árvores, 350 de primatas, 800 de anfíbios e répteis, 1.330 de aves e mais 100 mil insetos, entre muitos outros que são descobertos todos os anos.
A floresta armazena cerca de 150 bilhões a 200 bilhões de toneladas de carbono no solo e na vegetação acima do solo, além de ser um grande exportador de vapor d'água para fora da Bacia Amazônica. Esses "rios voadores", que liberam quantidade quase idêntica à vazão do rio Amazonas, cerca de 200 mil metros cúbicos por segundo, alimentam os sistemas hidrológicos das savanas tropicais do sul da Amazônia e até mesmo do centro-leste da América do Sul, um serviço ecossistêmico importante para o planeta.
O Homo sapiens chegou à Amazônia há cerca de 12 mil anos. Quando os europeus chegaram à região, há 500 anos, existiam entre 8 milhões e 10 milhões de pessoas indígenas, mais de 1.300 grupos étnicos com mais de mil línguas indígenas. Todas essas populações sempre mantiveram a floresta e a sua biodiversidade. E, com a notável evolução da ciência indígena, utilizaram mais de 2.000 produtos dos ecossistemas terrestres e aquáticos e domesticaram muitas plantas, como mandioca, castanha-do-pará, açaí e cacau.
O problema é que tudo isso está em risco. Nos últimos 50 anos, a Amazônia tem sido foco de intensa degradação ecossistêmica. A taxa de desmatamento é a mais alta entre as florestas tropicais da Terra.
O fogo usado por criminosos e grileiros é a mais séria ameaça ao bioma. Após um incêndio, a estrutura física da floresta muda significativamente. Mais de 1 milhão de focos de incêndio são detectados na Amazônia anualmente, mais de 90% deles provocados pelo homem. O fogo destrói raízes, troncos, galhos, folhas, sementes e frutos essenciais para a regeneração e o consumo.
Além disso, os incêndios florestais liberam monóxido de carbono e partículas na atmosfera, causando sérios problemas de saúde aos seres humanos. Somente na Amazônia brasileira são diagnosticados anualmente em média 150 mil casos de doenças respiratórias e cardiovasculares relacionadas à fumaça de incêndios.
A combinação sinérgica de desflorestamento, degradação induzida pelo fogo e alterações climáticas está causando danos irreversíveis à estrutura física da floresta. Se o desflorestamento continuar nas mesmas taxas das últimas décadas e o aquecimento global exceder significativamente 1,5°C, a floresta ultrapassará seu tipping point, ou ponto crítico, que pode levar mais de 50% da floresta a se transformar em ecossistemas de dossel aberta e altamente degradados. Fui o primeiro cientista a publicar artigos científicos sobre esse risco em 1990 na revista Science e em 1991 no Journal of Climate.
Agora, muitas observações na Amazônia mostram quão perto a floresta está de um ponto crítico: a estação seca é agora de 4 a 5 semanas mais longa em todo o sul da Amazônia desde 1979, afetando mais de 2 milhões de km²; a mortalidade de árvores está aumentando; a estação seca é de 2ºC a 3ºC mais quente e de 20% a 30% mais seca no sudeste da Amazônia, e a floresta naquela região tornou-se uma fonte de carbono.
As áreas altamente desmatadas do sul da Amazônia têm reciclado menos água, e a atmosfera está tornando-se mais quente e seca. Além disso, as alterações climáticas relacionadas com o aquecimento global induzem secas graves e frequentes, como em 2005, 2010, 2015-16 e a mais severa da história, entre 2023 e 2024. Estudos recentes indicam que, se a estação seca continuar a se prolongar, o ponto de ruptura irreversível será alcançado em 2050. Nesse caso, entre 50% e 70% da floresta se degradaria dentro de 30 a 50 anos. Isso libertaria mais de 250 bilhões de toneladas de CO2 e levaria à extinção de milhares de espécies da mais rica biodiversidade do planeta.
Como reduzir os riscos de tipping points ecológicos e sociais
Todos os países amazônicos devem estabelecer políticas sustentáveis para a governança da Amazônia. A maioria deles se comprometeu a acabar com o desflorestamento até 2030. Este compromisso foi assumido na Cúpula de Belém, em agosto de 2023.
É essencial eliminar todo desflorestamento e degradação florestal. Isso é possível aumentando a produtividade agrícola e florestal regenerativa, pois cerca de 20% da área desmatada da Amazônia está abandonada.
Grande parte dessas áreas desmatadas e degradadas pode ser usada para restauração florestal e sistemas agroflorestais inclusivos, produzindo grandes quantidades de madeira, proteínas, gorduras e carboidratos de espécies nativas.
Investir numa nova sociobioeconomia de florestas saudáveis e rios fluindo é essencial para reduzir o risco de colapso na Amazônia.
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