Carlos Nobre

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Floresta em pé lucra 7 vezes mais que gado e emprega 40 vezes mais que soja

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As florestas tropicais são partes essenciais do sistema terrestre. São importantes para a biodiversidade, para os serviços ecossistêmicos e têm papel fundamental para os povos indígenas e comunidades locais. O problema é que as florestas tropicais estão sendo rapidamente transformadas em áreas para a produção global de cereais, óleo vegetal e carne bovina.

Infelizmente, estamos transformando florestas tropicais em gás carbônico e partículas espalhadas pela atmosfera. Não há dúvida de que existe uma necessidade urgente de soluções florestais através da inovação. Nesta coluna, abordarei os caminhos para levar aos Arcos da Restauração e à Sociobioeconomia de Floresta em Pé da Amazônia.

A restauração da vegetação nativa surge como uma oportunidade inédita para diversificar a produção agroflorestal na Amazônia. Esse potencial apoiou o lançamento dos Arcos da Restauração, um resumo político do Painel Científico da Amazônia lançado durante a COP27 no Egito em 2022.

A iniciativa prevê a restauração de pelo menos 500 mil km² em duas regiões amazônicas que concentram a maior parte do desmatamento: uma localizada no sul da Amazônia, abrangendo territórios no Brasil e na Bolívia, e outra ao longo da Cordilheira dos Andes, incluindo Peru, Equador e Colômbia. Os Arcos da Restauração podem prevenir os incêndios florestais e a degradação de mais de 100 milhões de hectares de floresta e são fundamentais para salvar a floresta amazônica do ponto de não retorno.

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Imagem: Arte UOL

O primeiro governo a endossar os Arcos da Restauração foi o Brasil. A iniciativa foi lançada na COP28 em Dubai em dezembro de 2023 e visa restaurar 24 milhões de hectares de floresta amazônica no Brasil até 2050. A iniciativa é dividida em duas fases: a primeira busca restaurar 6 milhões de hectares até 2030. A segunda vai restaurar 18 milhões de hectares entre 2030 e 2050. O investimento está estimado em US$ 40 bilhões.

É importante mencionar que o crescimento das florestas secundárias amazônicas após o desmatamento remove de 11 a 18 toneladas de dióxido de carbono por hectare por ano durante pelo menos 30-35 anos. Um valoroso serviço ecossistêmico frente às mudanças climáticas.

Sociobioeconomia

O atual modelo de desenvolvimento insustentável na Amazônia deve ser substituído por um novo modelo que priorize a proteção, restauração e criação de saudáveis florestas em pé e rios fluindo. O Painel Científico da Amazônia defendeu essa transição por meio do conceito de sociobioeconomia.

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A sociobioeconomia é uma economia baseada na restauração florestal e no seu uso sustentável para apoiar o bem-estar dos residentes da Amazônia e da comunidade global. Considera o conhecimento, os direitos e os territórios dos povos indígenas e das comunidades locais e coloca a justiça, especialmente para as mulheres e jovens indígenas, e a diversidade biológica e cultural como valores fundamentais do desenvolvimento.

Esta inovadora sociobioeconomia pode ser mais lucrativa do que as economias convencionais que contribuem para o desmatamento na Amazônia. Aqui estão alguns exemplos: as pastagens requerem de 1 a 2 trabalhadores por 100 hectares e geram lucro de US$ 50 a US$ 100 por hectare ao ano. O cultivo da soja requer até 1 trabalhador por 100 hectares e tem um lucro de US$ 100 a US$ 300 por hectare ao ano. Por outro lado, a gestão de sistemas agroflorestais e a colheita de muitas dezenas de produtos florestais não-madeireiros requerem de 20 a 40 trabalhadores por 100 hectares e têm lucro de US$ 300 a US$ 700 por hectare por ano.

Outro fator da sociobioeconomia é a moderna adição de valor aos produtos florestais através da bioindustrialização nas comunidades que gerem a restauração florestal. Essa agregação de valor é 10 a 20 vezes maior do que a comercialização de produtos primários. Portanto, a bioindustrialização é essencial para construir predominantemente uma sociedade de classe média em toda a Amazônia.

O grande desafio é aumentar significativamente os investimentos em tecnologia em toda a Amazônia. Desde 2017, identificamos biofábricas que utilizam tecnologia para valorizar os produtos nativos da Amazônia. Nossa pesquisa indica que a região amazônica carece de infraestrutura tecnológica significativa. Mais de 80% dos municípios da Amazônia precisam de infraestrutura empresarial com tecnologia para agregar valor aos produtos nativos. Atualmente, existem aproximadamente 150 empresas que utilizam tecnologias capazes de converter produtos florestais primários, como raízes, sementes e frutas, em produtos de maior valor, como farinha, óleo, gordura e chocolate.

Uma visão viva de florestas tropicais sustentáveis busca o conhecimento da natureza baseado na ciência, nas inovações tecnológicas e no conhecimento dos povos indígenas e das comunidades locais como o caminho para o desenvolvimento socioeconômico sustentável, a conservação ambiental e uma sociobioeconomia de saudáveis florestas em pé e rios fluindo.

Para evitar mudanças ambientais e sociais irreversíveis que conduzam a pontos de não retorno, é necessário mudar do atual modelo econômico que degrada a biodiversidade para um novo modelo regenerativo e inovador baseado na sociobiodiversidade. É crucial incluir os povos indígenas e seus conhecimentos neste novo modelo. Nesta transição, as tecnologias, o compromisso dos governos, a justiça social, a partilha equitativa de benefícios e a redução das desigualdades desempenham papéis centrais.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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