Carlos Nobre

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Cidades-esponja: como preparar áreas urbanas para a crise climática

A maioria das regiões do planeta está enfrentando uma frequência maior de períodos de secas, incêndios da vegetação, precipitações severas e ondas de calor. O clima está mudando significativamente com intensificação e aumento de eventos extremos e temos testemunhado os enormes impactos ambientais, sociais e econômicos, incluindo alta mortalidade humana, causados por eles. A recente enchente histórica no Rio Grande do Sul afetou 96% municípios do estado.

Problemas centrais das cidades incluem o alto grau de impermeabilização do solo, a gestão desatualizada das águas pluviais e as consequências das mudanças climáticas. Altas temperaturas nas cidades resultam de um grande número de superfícies de concreto e asfalto, que formam as chamadas ilhas de calor urbanas, onde são observadas temperaturas entre 3 e 12°C mais altas em comparação com os valores medidos nos ambientes naturais circundantes.

Atualmente, aproximadamente 4,6 bilhões de pessoas no mundo vivem em cidades. Isso representa 57% da população global. Estima-se que mais 2,5 bilhões de pessoas vão viver em cidades e áreas urbanas ao redor do mundo até 2050. Resfriar o ar por meio da evaporação (por vegetação ou corpos d'água) é uma meta urbana importante na adaptação climática.

A alteração climática está mudando os padrões de precipitação por todo planeta com inundações e secas extremas atingindo muitas cidades. O conceito de cidade-esponja originalmente nascido na China tem sido uma importante iniciativa de adaptação em nosso planeta em mudança.

Cidade-esponja é um modelo de gestão sustentável de águas pluviais proposto pelo governo chinês para lidar com problemas de água urbana causados por mudanças climáticas e urbanização. O termo descreve uma área urbana com grandes espaços verdes para lidar principalmente com inundações e ondas de calor.

Bacia de retenção de água da chuva, parte do conceito de "cidade-esponja", adotado para um complexo residencial em Berlim
Bacia de retenção de água da chuva, parte do conceito de "cidade-esponja", adotado para um complexo residencial em Berlim Imagem: John MacDougall/AFP

Idealizada para prevenir inundações, melhorar a qualidade da água e aliviar os impactos das ilhas de calor, a iniciativa abrange atualmente 30 cidades-esponja na China e mais 30 estão em preparação no país. A ideia é que o sistema de drenagem urbana funcione como uma esponja, absorvendo, armazenando e purificando a água das chuvas para que depois possa ser reutilizada.

O projeto ganhou notoriedade internacional após ser implementado, pois mostrou que é possível adotar soluções baseadas na natureza com resultados positivos significativos. Os idealizadores do conceito de cidade-esponja uniram os conhecimentos tradicionais milenares dos camponeses que lidavam com as águas, como a construção de terraços em áreas de vertentes em montanhas para evitar a erosão do solo.

Uma cidade-esponja tem uma beleza exuberante que inclui parques, fachadas e telhados verdes. Elas estão crescendo em popularidade na Ásia e Europa. Copenhague, na Dinamarca, Veneza, na Itália, Tóquio, no Japão, Roterdã, na Holanda, Berlim, na Alemanha e Singapura. cidade-estado insular localizada no sudeste do continente asiático, são exemplos de cidades que já usam os serviços gratuitos da natureza afim de torná-las mais resilientes às mudanças climáticas e para beneficiar o bem-estar dos moradores e turistas.

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A restauração florestal, associada a uma cidade-esponja, pode remover de 20% a 30% dos poluentes urbanos e cria um microclima que reduz muito o risco de doenças respiratórias e cardiovasculares, principalmente em idosas e idosos.

As soluções convencionais, chamadas de infraestrutura cinza, têm maiores emissões de CO2, aceleram o fluxo e acumulam água com risco de inundações e causam esgotamento das águas subterrâneas, aumentando o risco de secas. Além disso, a retirada dessas águas subterrâneas contribui para o armazenamento adicional nos oceanos e elevação do nível do mar.

Em tempos de crise climática, adequar uma cidade propensa a inundações faz sentido financeiro, como mostram os prejuízos estimados em quase R$ 100 bilhões da tragédia recente no Rio Grande do Sul. Ou seja, devemos investir em infraestrutura urbana verde baseada na natureza agora, em vez de lidar com maiores danos no futuro.

Em linha com a estratégia de soluções baseadas na natureza, precisamos instalar medidas de retenção de água em todos os níveis territoriais, melhorar a qualidade e a quantidade de nossa infraestrutura verde urbana. No Brasil, ainda não existe uma cidade que possa ser considerada cidade-esponja.

As mudanças que precisamos implementar até 2050 incluem estratégias de planejamento espacial e uso do solo que limitem a expansão urbana e promovam a utilização mais eficiente do solo urbano com adição e aprimoramento de infraestruturas verdes e azuis. Isso resultará em menores emissões de gases de efeito estufa e maior resiliência aos riscos dos extremos climáticos.

A infraestrutura verde inclui parques, fachadas verdes e telhados verdes. A infraestrutura azul utiliza corpos d'água de valas de infiltração, lagos artificiais, lagoas de retenção de água e pântanos de inundação. Autoridades locais devem priorizar medidas de infraestrutura verde-azul nos planos de gerenciamento de águas residuais urbanas necessários ao enfrentamento às alterações climáticas.

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As soluções baseadas na natureza, como as cidades-esponja, funcionam porque a natureza é nossa melhor aliada para combater as mudanças climáticas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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