Carlos Nobre

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Incêndios em São Paulo aumentam 10 vezes em um ano

Análises do observatório europeu Copernicus revelam que o estado de São Paulo esteve entre os locais mais afetados por incêndios florestais no mundo em agosto de 2024.

De acordo com o Programa Queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o estado teve 3.612 focos ativos de fogo detectados por satélite, o maior número já registrado em qualquer mês nas cidades do estado de São Paulo desde o início das medições, em 1998. O recorde anterior para agosto era de 2.444 focos, em 2010.

O aumento foi expressivo, com os focos subindo de 352 em agosto de 2023 para 3.612 no mesmo mês de 2024 — um crescimento de dez vezes. No acumulado de 2024, até segunda-feira (9), 6.216 focos de incêndio foram registrados no estado.

Entre o fim de semana dos dias 24 e 25 de agosto e a última quarta-feira (4), cerca de 2.300 focos de incêndio devastaram em torno de 100 mil hectares de áreas com cana-de-açúcar, o que pode gerar um prejuízo de R$ 800 milhões aos produtores, de acordo com a Orplana (Organização das Associações de Produtores de Cana). O governo estadual estima que as perdas totais vão superar R$ 1 bilhão.

Em boletim, a Defesa Civil estadual também informou que os incêndios na vegetação deixaram 66 feridos e dois mortos no estado.

O clima em agosto de 2024 no Brasil foi o mais seco em 44 anos, criando um cenário propício para incêndios, com altas temperaturas, baixa umidade e ventos fortes.

No período, no entanto, não houve raios, a principal causa natural de incêndios, o que reforça a possibilidade de ação criminosa. Até 6 de setembro, 12 pessoas foram presas sob suspeita de terem iniciado incêndios criminosos em vegetações no interior do estado de São Paulo.

Fumaça de incêndios e impactos na saúde humana

A fumaça dos incêndios obrigou as pessoas a ficarem em casa com portas e janelas totalmente fechadas, mesmo com altas temperaturas, acima de 35ºC. Panos úmidos foram colocados nas frestas, na tentativa de conter a fumaça e a fuligem vindas das queimadas. Moradores de cidades atingidas pela fumaça tiveram irritação nos olhos, crises de enxaqueca, sangramento no nariz, falta de ar, tosse e garganta ressecada.

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A exposição à fumaça pode causar reações inflamatórias no organismo, aumentando riscos de doenças cardíacas, como infarto, e pulmonares, como asma e bronquite no curto prazo. A exposição prolongada pode desencadear doenças mais graves, como câncer. O monóxido de carbono, um dos componentes da fumaça, reduz o transporte de oxigênio no sangue, podendo causar asfixia.

Umidificadores e inalação ajudaram os idosos e idosas a enfrentar a poluição causada pelos incêndios no estado de São Paulo. Em Ribeirão Preto, no dia 24 de agosto, a cidade ficou encoberta pela fumaça dos incêndios e as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) tiveram aumento de 60% nos atendimentos.

As mudanças climáticas oferecem as condições ideais para incêndios florestais

O cenário ideal para a propagação do fogo não se restringiu a São Paulo. Com o agravamento das mudanças climáticas, o Brasil enfrenta a pior seca de sua história, com o fogo se alastrando e devastando vastas áreas dos biomas nacionais. Em 2024, o país já contabiliza o maior número de incêndios florestais dos últimos 14 anos.

O Brasil registrou 5.724 focos de incêndio em 4 de setembro de 2024 (dia com o maior número de focos detectados entre os dias 1º e 9 desse mês), segundo dados do Inpe. O bioma Amazônia teve a maior ocorrência, com 2.819 (49,2%), seguido pelo Cerrado, com 2.238 (39,10%), e a Mata Atlântica, com 532 (9,29%).

O WWA (World Weather Attribution), grupo internacional de cientistas que estuda o impacto das mudanças climáticas, apontou que junho de 2024 foi o mês mais seco, quente e ventoso no Brasil desde 1979, ingredientes ideais para propagação rápida de incêndios florestais.

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Ainda de acordo com o grupo, as queimadas no Pantanal estão 40% mais intensas devido à ação criminosa, agravada por quatro décadas de redução constante nas chuvas. As mudanças climáticas estão fazendo as chuvas médias anuais diminuirem de maneira contínua há mais de 40 anos no bioma.

As secas excepcionais têm se tornado cada vez mais severas e frequentes, e quase três quintos do território brasileiro estão progressivamente mais secos.

Historicamente, incêndios florestais eram eventos raros, causados por secas extremas e raios. A vegetação era mais resistente ao fogo. No entanto, em tempos de emergência climática, as queimadas são mais frequentes e destrutivas, com mais de 90% dos focos sendo causados por ação humana.

Na Amazônia, o risco de incêndios extremos, exacerbado pela mudança climática e o uso inadequado da terra, aumentou entre 20 e 28 vezes. O aquecimento global e o desmatamento têm prolongado a estação seca, intensificado o déficit de umidade nas plantas e elevado a mortalidade das árvores.

De acordo com o Inpe, cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados, ou 60% do território brasileiro, foram afetados pela fumaça dos incêndios na Amazônia e em outras regiões brasileiras, que também atingiu países vizinhos como Uruguai e Argentina. A cidade de São Paulo registrou a pior qualidade de ar no planeta nesta segunda-feira (9).

Com secas cada vez mais severas e frequentes, biomas inteiros estão à mercê do fogo. Sem ações imediatas para mitigar esses impactos, a tendência é que a destruição continue a se intensificar.

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*Wagner Soares é Meteorologista pela UFPEL (Universidade Federal de Pelotas), Mestre em Meteorologia Agrícola pela UFV (Universidade Federal de Viçosa), Doutor em Meteorologia pelo INPE (Instituto nacional de Pesquisas Espaciais). Possui pós-doutorado na área de mudanças climáticas pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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