Carlos Nobre

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Opinião

Crise climática: mundo pode não ter mais volta e isso me apavora

A ciência climática do mundo inteiro não previa uma aceleração tão intensa das mudanças climáticas como temos visto recentemente. No começo de 2023, os cientistas previram um El Niño de grande intensidade, com temperaturas chegando a 1,3ºC acima dos níveis pré-industriais. Mas ninguém esperava que as temperaturas globais fossem explodir e ficar 1,5°C mais quentes.

Com exceção de julho de 2024, estamos desde junho de 2023 vivendo temperaturas acima de 1,5ºC. O último mês de agosto foi o mais quente já registrado. A Terra só viu algo parecido no último período do interglacial, 120 mil anos atrás.

A consequência desses 14 meses de temperatura alta, incluindo os recordes de temperatura dos oceanos, é o aumento dos eventos climáticos extremos. Mas eles não cresceram devagarzinho ou de uma forma linear. Eles cresceram exponencialmente, como a ciência previu. E é isso que está acontecendo no Brasil e no mundo inteiro, com ondas de calor, seca, chuvas intensas e incêndios florestais.

O Acordo de Paris e as COPs estabeleceram metas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa de 28% a 42% até 2030, o que já é um enorme desafio. Mas as emissões continuam aumentando. Tudo isso foi definido para não passarmos de 1,5ºC em 2050. Mas se no ano que vem continuarmos com temperaturas 1,5ºC acima do período pré-industrial, serão três anos com temperaturas acima da meta do Acordo de Paris. Pode ser tarde demais e isso me apavora.

Estou apavorado porque, com 2,5ºC, nós vamos criar uma mudança climática nunca vista. Com 2,5ºC, os eventos extremos vão aumentar muito exponencialmente e o mais preocupante é que atingiremos os chamados pontos de não retorno.

Se passarmos de 2ºC, todos os recifes de coral do mundo serão extintos. Se passarmos de 2,5ºC, vamos perder de 50% a 70% da Amazônia e grande quantidade do solo congelado da Sibéria, do Canadá e do Alasca, o chamado permafrost, será descongelado. Com isso, vamos jogar uma gigantesca quantidade de gases de efeito estufa que estão ali aprisionados.

Jacaré morto em meio à vegetação queimada no Pantanal em Corumbá (MS)
Jacaré morto em meio à vegetação queimada no Pantanal em Corumbá (MS) Imagem: Ueslei Marcelino - 1.jun.2024/Reuters

Na semana passada, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o Brasil pode perder o Pantanal por completo até o fim deste século se o mundo não for capaz de reverter o cenário de aquecimento global.

Como isso aconteceria? Grande parte da água que abastece o Pantanal vem da bacia amazônica e do Cerrado. Se ultrapassarmos 2,5ºC de aquecimento, a Amazônia será devastada, o que reduzirá significativamente as chuvas na região do Pantanal. Sem essa umidade, o bioma pode se transformar em uma caatinga. E isso já vem acontecendo. O prolongamento das estações secas já resultou em 35% do Pantanal deixando de ficar coberto por água nos últimos 40 anos.

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Quando analisamos alguns países, especialmente na Ásia e em partes da Europa, vemos que eles estão adotando medidas eficazes para lidar com as mudanças climáticas. Um exemplo notável é Singapura, que implementou o conceito de "esponja urbana", que envolve a restauração florestal nas áreas urbanas e periféricas, que reduz a temperatura e ajuda a mitigar desastres climáticos. O Brasil também tem potencial para implementar essas medidas.

Em São Paulo, por exemplo, a área urbana, com muito concreto e asfalto, pode ser de 6ºC a 10,5ºC mais quente do que áreas cobertas pela Mata Atlântica próximas, como o Parque Zoológico.

Estudos da USP mostram que a restauração da vegetação urbana pode reduzir as temperaturas em até 5ºC, reter água no solo, diminuir enxurradas e remover de 20% a 30% dos poluentes. Além disso, melhora o microclima e, consequentemente, a saúde, já que ondas de calor são um dos maiores riscos climáticos.

Agricultor caminha carregando cacho de banana por faixa de areia que se formou no rio Madeira, em Porto Velho (RO)
Agricultor caminha carregando cacho de banana por faixa de areia que se formou no rio Madeira, em Porto Velho (RO) Imagem: Lalo de Almeida - 5.set.20024/Folhapress

No entanto, se falharmos em reduzir drasticamente as emissões, poderemos enfrentar um cenário extremo. Se a temperatura global aumentar em 4ºC até 2100, grande parte do planeta, incluindo o Brasil, pode se tornar inabitável, especialmente as regiões tropicais e equatoriais. Isso incluiria vastas regiões do Brasil, especialmente as áreas tropicais e equatoriais. No Sudeste, os verões seriam tão extremos que viver ali seria insustentável.

A situação seria tão drástica que, no século 21, as únicas áreas habitáveis no mundo seriam regiões como o Ártico, a Antártica e as grandes cadeias montanhosas, como os Alpes e o Himalaia. Esse cenário nos mostra a gravidade da crise climática e o quanto é urgente zerar as emissões de carbono rapidamente, para evitar esse futuro quase inacreditável.

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Ações mais rigorosas para combater as mudanças climáticas são urgentes. Sem medidas imediatas e eficazes, estamos caminhando para um futuro em que vastas regiões do planeta poderão se tornar inabitáveis, com impactos profundos para a vida. Não podemos em hipótese alguma aceitar passar de 2ºC e chegar a 2,5ºC. As metas de redução das emissões têm que ser muito mais rigorosas e abrangentes. Não podemos esperar até 2050.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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