Carlos Nobre

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Bioindustrialização é caminho para desenvolvimento sustentável da Amazônia

A Amazônia é a região mais rica em biodiversidade do planeta, mas enfrenta limitações científicas e tecnológicas que impedem o pleno aproveitamento econômico de sua vasta sociobiodiversidade. A bioindustrialização se apresenta como um caminho estratégico para agregar valor aos produtos nativos e fomentar o desenvolvimento de uma sociedade de classe média na região. Contudo, esse progresso depende da erradicação do desmatamento e da degradação florestal, além do uso inteligente da biodiversidade.

Estudos que mapearam as bioindústrias relacionadas a cinco produtos florestais não madeireiros, amplamente utilizados na economia amazônica, mostraram que mais de 80% dos municípios da Amazônia brasileira carecem de infraestrutura industrial básica para agregar valor aos produtos regionais de sua biodiversidade. Essa realidade expõe a falta de investimentos direcionados ao desenvolvimento da bioindústria na região.

Quando há investimentos em ciência e tecnologia, os resultados são significativos. Um exemplo é a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA), que começou a industrializar polpas de frutas em 1987. Atualmente, a cooperativa processa mais de 15 espécies nativas, comprando a produção de 1.800 agricultores familiares que produzem em Sistemas Agroflorestais (SAFs) e exportando para países como Japão e Estados Unidos.

Os ganhos com tecnologia são expressivos. O valor de venda de produtos pode aumentar em até cinco vezes com um pré-processamento. No caso da castanha-do-pará (Bertholletia excelsa), por exemplo, as sementes frescas com casca são vendidas entre US$ 2 e US$ 4 por quilo, enquanto as desidratadas e sem casca superam US$ 15 por quilo após o processamento. Tecnologias adicionais poderiam ampliar ainda mais a variedade de produtos e o valor agregado.

No entanto, os investimentos públicos e privados em tecnologias para a bioindustrialização na Amazônia são escassos. Mesmo com os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus e do Polo Industrial de Manaus, quase não há projetos focados na agregação de valor aos produtos regionais da biodiversidade. Isso se reflete no impacto econômico da biodiversidade amazônica, que contribui com aproximadamente R$ 12 bilhões por ano — apenas 0,1% do PIB brasileiro, estimado em R$ 10,9 trilhões em 2023.

Para reverter essa situação, governos e investidores precisam reconhecer a bioindustrialização dos produtos da sociobiodiversidade como um elemento crucial para o desenvolvimento sustentável da região.

Superando os desafios da alta degradação e do baixo investimento

Apesar das imensas oportunidades, há desafios estruturais que precisam ser superados para viabilizar a bioindustrialização na Amazônia. O primeiro e mais urgente é a eliminação do desmatamento e da degradação das florestas remanescentes. Proteger e restaurar os ecossistemas amazônicos é uma condição essencial para garantir que os benefícios da bioindustrialização possam ser colhidos e distribuídos de maneira sustentável.

Além disso, é crucial aumentar substancialmente os investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Somente por meio do apoio contínuo à pesquisa, ao desenvolvimento de novas tecnologias e à capacitação das comunidades locais será possível agregar valor aos produtos dos ecossistemas amazônicos. Incentivos governamentais, parcerias público-privadas e programas educacionais são ferramentas para acelerar a bioindustrialização.

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Oportunidades em matéria-prima, biotecnologia e biomimética

O sucesso da bioindústria amazônica precisa estar em sintonia com o movimento global de bioeconomia. O diferencial da Amazônia está em sua biodiversidade e no conhecimento ancestral dos povos indígenas e comunidades locais. Para aproveitar esses potenciais, é essencial adotar uma abordagem diversificada que se concentre em três pilares: agregação de valor à matéria-prima, biotecnologia e biomimética.

A produção de matéria-prima em sistemas diversificados pode crescer com a restauração de áreas desmatadas e degradadas. Estudos mostram que a restauração florestal com espécies nativas é viável tanto economica quanto ambientalmente. A silvicultura regenerativa, voltada para a madeira, e os sistemas agroflorestais (SAFs), que produzem frutos, sementes, óleos e gorduras, apresentam maior produtividade quando desenvolvidos com alta diversidade. Assim, é possível gerar grandes quantidades de matéria-prima para a bioindustrialização, como móveis, sucos, pigmentos, castanhas e chocolates.

Outro campo promissor é a biotecnologia florestal. O solo das florestas saudáveis na Amazônia, por exemplo, é rico em microrganismos que auxiliam a produtividade ecossistêmica. Os microrganismos podem ser multiplicados em laboratório para produzir soluções que melhorem a qualidade dos solos em sistemas agrícolas e florestais. Inúmeras outras oportunidades para o desenvolvimento de produtos biotecnológicos estão nos campos da saúde e indústria.

A biomimética, por sua vez, representa um grande potencial para inovações baseadas na natureza. As centenas de milhares de espécies amazônicas oferecem uma fonte quase inesgotável de inspiração para o desenvolvimento de novas tecnologias. Ao observar os processos naturais, podem surgir soluções que atendam a necessidades humanas, como novos tipos de velcros, peças aerodinâmicas para veículos, materiais de construção e solventes. Para isso, é necessário investir em pesquisas de campo e incluir a biomimética nos currículos acadêmicos da região.

O sucesso da bioindustrialização na Amazônia pode se tornar um modelo de sociobioeconomia inclusiva. Isso pode criar uma sociedade de classe média predominante na região. Ao explorar suas riquezas naturais e culturais usando ciência, tecnologia e inovação, a Amazônia pode se tornar um exemplo de desenvolvimento socioeconômico e ambientalmente sustentável em países tropicais.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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