Carlos Nobre

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Ação humana intensifica incêndios e agrava a crise ambiental

Ao longo da história, alguns marcos foram fundamentais para o desenvolvimento do Homo sapiens, entre os quais podemos citar o domínio do fogo. Essa conquista não apenas permitiu ao ser humano se proteger de animais selvagens, mas também cozinhar alimentos, o que acelerou significativamente a evolução do cérebro. Mas, será que os humanos desaprenderam a lidar com o fogo?

Nas últimas semanas, o Brasil e grande parte da América do Sul têm enfrentado uma situação sem precedentes: mesmo sem uma única nuvem, os brasileiros não conseguem ver o azul do céu, encoberto por uma densa camada de fumaça.

Os prejuízos são enormes: problemas de saúde pública pela proliferação e agravamento de doenças respiratórias, degradação da qualidade do ar, inconvenientes com a navegação aérea, com cancelamento de pousos e decolagens, drástica diminuição da visibilidade em estradas e, ainda muito pior, milhares de hectares devastados pelo fogo, que destrói as nossas florestas e a nossa fauna. Milhões de árvores centenárias e de animais selvagens, alguns em grande risco de extinção, estão sendo carbonizados pelas chamas.

Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) indicam que o número de queimadas registradas até meados de setembro de 2024 mais que triplicou em relação a todo o ano de 2023. Em agosto, os focos de incêndio atingiram o maior patamar para o mês desde o início dos registros em 1998, com a Amazônia e o Cerrado concentrando 82% do total de queimadas.

E onde há fogo, há fumaça. Nos primeiros dias de setembro, 60% do território brasileiro, cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados, foi coberto por fumaça, tornando o simples ato de respirar um desafio e um risco, porque a maior parte dos brasileiros não utiliza máscaras. Entre 9 e 12 de setembro, a cidade de São Paulo registrou o maior índice de poluição do ar entre as grandes cidades do planeta.

As causas desse desastre ambiental são complexas. O final da estação seca é, historicamente, o período com mais queimadas, principalmente nos meses de julho a setembro, que englobam geralmente mais de 60% do número total anual de casos.

No entanto, a última estação chuvosa foi deficitária, especialmente nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste, muito provavelmente sob forte influência do fenômeno do "El Niño", que aquece as águas do Pacífico. O aquecimento anômalo das águas sobre o oceano Pacífico causa uma maior evaporação e, consequentemente, um incremento das precipitações. Como compensação pelo ar que sobe sobre o oceano, ele tende a descer sobre a Amazônia, trazendo ar seco dos altos níveis para a superfície e prejudicando as precipitações. Essa "gangorra de ar" que sobe e desce sobre o oceano Pacífico também ocorreu sobre o Atlântico, que estava, e ainda está, mais quente ao norte da linha do Equador. Esse efeito combinado dos dois oceanos inibiu duplamente as chuvas sobre a Amazônia e sobre boa parte do Brasil.

Chegamos ao final da estação seca com níveis de umidade muito baixos, típicos dos piores desertos do mundo, e com solo e vegetação muito secos, o que é altamente favorável para a propagação de incêndios. Uma vez iniciados, os ventos se encarregaram de concentrar e transportar a fumaça através de verdadeiros "dutos de fumaça".

A péssima qualidade do ar na cidade de São Paulo em setembro foi agravada pelo transporte de fumaça da Amazônia, somando-se à poluição típica gerada pelo trânsito urbano, piorada pela inversão térmica. Isso acontece quando camadas de ar quente, localizadas em altitudes mais elevadas, comprimem o ar próximo ao solo, impedindo sua mistura com o ar mais limpo das camadas superiores. Nos dias em que a inversão térmica coincidiu com a chegada da fumaça das queimadas à região metropolitana, a situação se tornou caótica.

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Embora o aumento das queimadas seja esperado no final da estação seca, devemos lembrar que a causa do fogo é fundamentalmente resultado da atividade humana, muitas vezes criminosa.

É praticamente impossível pensar em causas como a existência de vidros ou metais no meio da floresta, assim como é improvável que os raios solares atinjam o solo da densa selva, onde as copas das árvores se erguem a dezenas de metros. Também é impossível que raios ou relâmpagos ocorram sem nuvens no céu. Assim, resta apenas uma explicação: a ação humana.

É importante lembrar que fatores indiretos, como o desmatamento contínuo e o aquecimento global, contribuem para a redução gradual das precipitações anuais e o prolongamento do período seco. No cenário atual, mesmo que sem intenção, uma pequena queimada pode se transformar em um grande incêndio, especialmente sob a ação de ventos fortes.

É por essa razão que as políticas públicas devem se intensificar no sentido de fiscalizar e punir os responsáveis pela produção de queimadas, inclusive com novos marcos legais proibindo totalmente o uso do fogo em todo o país pela agropecuária, além de educar a população sobre os riscos dessa prática. Só assim conseguiremos respirar ar mais puro, tornar o Brasil um país menos poluidor, ajudar no combate à emergência climática e diminuir o dano ao meio ambiente.

*Marcelo Seluch é meteorologista e doutor em Ciências Meteorológicas pela Universidad de Buenos Aires. Foi chefe da Divisão de Operações do CPTEC/INPE. Atualmente é Coordenador Geral de Operações do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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