Mudanças climáticas e agricultura: de grau em grau as perdas aumentam
Desde 1996, o Brasil adota uma política pública conhecida como Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), que orienta todos os 5.570 municípios brasileiros sobre o que plantar, quando plantar e onde plantar, com nível de risco de 20%. Ou seja, de uma maneira geral, os agricultores que adotam essas indicações têm 80% de chance de sucesso na colheita da lavoura. Esse sistema utiliza 30 anos de dados diários de chuva e temperatura atualizados anualmente.
Uma estratégia adotada para incorporar as mudanças climáticas é substituir, ano a ano, o dado mais antigo pelos mais recentes. Isso permite captar as mudanças no clima em tempo real. No entanto, uma questão importante é se devemos manter a série de 30 anos ou reduzi-la para 10, considerando a rapidez com que o clima está mudando.
O principal ponto agora é que o aumento de temperatura e os eventos extremos estão com uma dinâmica muito maior do que os critérios estatísticos clássicos indicam. Ou seja, para definir o que plantar, onde plantar e quando plantar, não é possível mais depender de longas séries de 30 anos. A redução para séries de 10 anos pode ser mais adequada, dado o aumento das perdas na agricultura e na pecuária do Brasil, maiores a cada ano em função de fenômenos como seca, geadas, chuvas intensas e ondas de calor, entre outros.
Um trabalho desenvolvido pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Histórico de Perdas na Agricultura Brasileira - 2000-2021) indicou que as perdas foram se avolumando neste período, considerando que os principais eventos climáticos são aqueles que incluem períodos longos de estiagem e seca, que alteram a disponibilidade hídrica do solo; condições de temperatura extremas e geadas; granizos e vendavais; eventos de precipitação excessiva, que influenciam o período de colheita; e influenciam nas datas de plantio.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apontou em um estudo sobre perdas agrícolas entre 2000 e 2021 que elas aumentaram no período, considerando que os principais eventos climáticos foram estiagens prolongadas, geadas, granizos, vendavais e precipitações excessivas, que afetam diretamente a produção.
Os estados que mais sofreram com a quebra de safra foram Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, seguidos de perto por Mato Grosso do Sul. Desde 2004, pesquisadores do clima e seus impactos na agricultura têm alertado para o efeito de ondas de calor que, associadas a secas, provocam o abortamento de flores em culturas como café, laranja e feijão, entre outras.
Como acontece isso? Esse evento causa impacto quando a temperatura máxima fica próxima de 33ºC ou 34ºC e persiste por dois a três dias. O efeito é devastador causando perdas substanciais na produção de café e laranja. Nos últimos anos, entre 2006 e 2022, foram observadas 25 ondas de calor de 3 dias na primavera. As consequências do fenômeno são abortamento de flores, aumento da deficiência hídrica e morte de animais.
A morte de bovinos vem sendo registrada, principalmente em Mato Grosso do Sul e na fronteira do Brasil com a Argentina. Em 2023, o jornal Valor Econômico indicou que as perdas por eventos extremos foram de R$ 300 bilhões no período de 2013 a 2023, o equivalente a 75% do plano safra.
Os primeiros resultados sobre perdas na agricultura em 2004, publicados pela Embrapa e Unicamp, indicavam a vulnerabilidade da cultura do café. Em 2008, num Congresso da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), foi publicado o estudo sobre a nova geografia da produção agrícola e ali foi indicado que as culturas mais vulneráveis seriam soja, milho e café, com especial atenção para a região Sul.
Estudos foram sendo atualizados em 2016, 2020 e 2022 e indicaram as possíveis perdas futuras ainda nesta década e nas próximas, caso nada seja feito. As perdas estimadas seriam acima de 20% na produtividade das lavouras, causando forte impacto na produção final.
O importante é que alguns resultados científicos são mais conservadores do que os da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), para as regiões Sul e Sudeste. Nos anos de 2023 e 2024, as temperaturas globais atingiram níveis históricos, com mais de 14 meses registrando 1,5ºC acima do período pré-industrial (1850-1900). Todos os tipos de eventos climáticos extremos aumentaram, impactando negativamente a agropecuária, com efeitos mais severos do que nas décadas anteriores.
Mas o que fazer?
Certamente temos que parar de colocar a culpa em Deus e no El Niño ou na La Niña. As propostas tecnológicas para minimizar os efeitos das mudanças climáticas na agricultura são várias e passam obrigatoriamente pela adoção de práticas da agricultura ABC (agricultura de baixa emissão de carbono) e as orientações da agricultura regenerativa.
O segredo está na raiz. Quanto mais práticas forem adotadas para aprofundar as raízes, menor será o efeito dos impactos climáticos.
Associado a isso é preciso incorporar o plantio de árvores no sistema de produção agrícola.
E, finalmente, um sistema de produção agroambiental não pode considerar práticas como queimadas nem desmatamento. Com isso poderemos reduzir as perdas.
Caso contrário, as perdas vão se acentuar. Os eventos climáticos que estamos vivendo neste momento indicam claramente para onde estamos indo se não fizermos nada. Podemos listar quais seriam os principais desafios:
Eliminar o desmatamento
Eliminar as queimadas
Reduzir o uso de combustíveis fósseis
Mudar o modelo de produção agrícola, para modelos mais equilibrados
Buscar cada vez mais a adoção de sistemas integrados de produção agrícola como Sistemas Integrados Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e Sistemas Agroflorestais (SAF)
Tornar produtiva uma imensa área de pastos degradados juntando agropecuária regenerativa com restauração dos biomas
Isso já seria um bom e necessário começo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa oriundas da agropecuária e tornar o setor mais resiliente aos extremos climáticos que só aumentarão com o aquecimento global.
*Eduardo Delgado Assad é graduado em engenharia agrícola pela Universidade Federal de Viçosa, com mestrado e doutorado em Manejo e Ciências da Água pela Universidade de Montpellier, da França, e PhD em Ciências Agrárias pela Unicamp. Foi pesquisador da Embrapa por 34 anos.
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