Carlos Nobre

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Opinião

A intensificação das ondas de calor e o papel do ar-condicionado

Como um animal de sangue quente, o ser humano conta com mecanismos termorreguladores, controlados pelo hipotálamo, região do cérebro que controla funções básicas e essenciais, como manter a temperatura corporal dentro de uma zona de temperatura constante, a homeotermia (32°C a 42°C). Em certas situações, esse controle pode ser comprometido, levando à hipotermia ou hipertermia, que podem ser fatais. A temperatura ambiente é a principal variável que afeta a termorregulação, e seu aumento contínuo devido às mudanças climáticas torna a hipertermia, o aumento da temperatura do corpo acima do normal, de interesse particular aqui.

Ondas de calor estão aumentando em frequência e intensidade de forma diretamente relacionada ao aquecimento global. Nos últimos 14 meses, a temperatura média global subiu cerca de 1,5°C, o maior aumento comparado com o período pré-industrial (1850-1900), com projeções indicando um aumento até superior a 3°C até o final do século, caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam reduzidas rapidamente. Entre 2015 e 2021, os anos mais quentes foram registrados, com uma intensificação das ondas de calor diretamente ligada a esse aquecimento. Em 2023, a Europa enfrentou uma das ondas de calor mais severas, com temperaturas acima de 45°C.

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Tais ondas de calor impactam gravemente a saúde pública, em especial grupos vulneráveis, como pessoas idosas, crianças e pessoas com condições de saúde preexistentes. Segundo a Organização Mundial da Saúde, entre 2000 e 2016, 125 milhões de pessoas foram expostas a ondas de calor. Em 2022, na Europa, mais de 61 mil mortes foram atribuídas ao calor extremo. No Brasil, entre 2000 e 2018, mais de 48 mil mortes devido à ondas de calor foram registradas. A mortalidade por hipertermia, resulta principalmente da desidratação intensa decorrente do mecanismo de transpiração acionado para fazer frente a elevada temperatura ambiente. A falta de acesso a ambientes climatizados durante as ondas de calor é um fator crítico que contribui para esses números alarmantes.

O uso do ar-condicionado aumenta significativamente durante ondas de calor, sendo essencial para garantir o conforto térmico. Seu uso não deve ser visto como um luxo, mas sim como algo vital para preservar a saúde e o bem-estar da população, o que tem reflexos positivos para a economia e a produtividade no trabalho. Estima-se que o número de unidades de ar-condicionado em uso globalmente pode chegar a 5,6 bilhões até 2050, em comparação com o 1,6 bilhão registrado em 2018. Esse aumento implica 10 novos aparelhos de ar-condicionado a cada segundo pelos próximos 30 anos! Tal crescimento irá requerer um aumento da geração de energia elétrica equivalente à atual de EUA, União Europeia e Japão somados, causando ainda mais emissões.

No Brasil, a posse de ar-condicionado pelas famílias passou de 1% em 2002 para 20% em 2017 e, num cenário de baixo crescimento econômico, projeta-se que, em 2050, entre 7% e 35% das residências possuam pelo menos um equipamento de ar-condicionado, dependendo da região. Há, portanto, uma margem de expansão futura muito significativa, mas ambientes climatizados ainda serão pouco disponíveis para a população em suas residências.

Isso nos coloca ante um dilema: se, por um lado, o ar-condicionado é essencial para combater o calor extremo, garantir o conforto e evitar mortes durante ondas de calor; por outro, seu funcionamento intensivo implica o aumento do consumo de energia elétrica e, por conseguinte, das emissões de gases de efeito estufa. Além disso, seu uso intensifica o fenômeno das "ilhas de calor" em áreas urbanas densamente povoadas causando um aumento adicional da temperatura ambiente local em +2°C.

Diante desse cenário, é crucial o desenvolvimento e a adoção de tecnologias de climatização mais sustentáveis, o que envolve:

O aumento da eficiência dos sistemas de ar-condicionado, graças à adoção de controle inteligente, trocadores de calor eficientes, mancais magnéticos, detecção e diagnóstico de falhas, entre outros;

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A substituição de fluidos refrigeradores com alto potencial de aquecimento global, como os HFCs (fluidos refrigerantes sintéticos a base de hidrogênio, flúor e carbono), por alternativas mais ecológicas, como refrigerantes naturais (CO2, amônia e hidrocarbonetos) e hidrofluoro-olefinas (HFOs);

Soluções passivas de climatização, como ventilação natural, sombreamento, telhados verdes, resfriamento evaporativo, materiais especiais, esponjas urbanas, entre outros;

Aplicações de geotermia de baixa temperatura, na troca de calor com o solo, mares e oceanos, como por exemplo nos sistemas SWAC (Sea Water Air Conditioning) empregando água do mar a baixa temperatura no resfriamento em larga escala, dentro do conceito de "district cooling";

Adoção de formas de geração "limpas" como solar, eólica e novas tecnologias como as usinas OTEC (Ocean Thermal Energy Conversion) representam soluções sustentáveis de grande potencial. A adoção de uma OTEC permite gerar energia limpa continuamente, 24 horas por dia todos os dias, e regenerar os oceanos pela movimentação de nutrientes para águas mais rasas. Além disso, o uso combinado de plantas OTEC com sistemas SWAC, captação de água, produção de hidrogênio e piscicultura contribui para a viabilidade econômica;

Políticas de incentivo ao uso de soluções mais eficientes e novas tecnologias, implementadas por governos e instituições. Exemplos incluem incentivos fiscais, subsídios para substituição de aparelhos antigos e normas de construção sustentável, ajudando a mitigar os impactos das ondas de calor e a lidar com o aumento do consumo de energia.

Em suma, observamos que as ondas de calor impõem um cenário de desafio crescente, no qual o uso de ar-condicionado desempenha um papel crucial. O aumento inevitável e necessário da demanda por resfriamento traz desafios significativos ao meio ambiente e à infraestrutura energética. A transição para tecnologias mais eficientes, o uso de energias renováveis e a implementação de políticas públicas adequadas são essenciais para mitigar os impactos, evitando o agravamento do aquecimento global.

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*João Pimenta é engenheiro mecânico, doutor em Ciências Aplicadas pelo Laboratoire de Thermodynamique da Université de Liège, Bélgica e Distinguished Lecturer ASHRAE (American Society of Heating, Refrigerating, and Air-Conditioning Engineers). Desde 2002 leciona na Universidade de Brasília, onde coordena o Laboratório de Ar Condicionado e Refrigeração, dentro do Grupo de Energia e Ambiente.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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