Carlos Nobre

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Opinião

A emergência climática é uma crise dos direitos das crianças

Considerando o último período glacial de aproximadamente 100 mil anos atrás, com seu pico há cerca de 23 mil anos, a jornada humana na Terra nos mostrou uma viagem de montanha-russa na curva da temperatura global. Durante a maior parte desse período, era muito normal que as temperaturas e, portanto, as condições de vida na Terra flutuassem muito. Somente com o início do Holoceno, há cerca de 12 mil anos, as temperaturas e, portanto, as condições de vida na Terra se estabilizaram. A humanidade inventou a agricultura e foi capaz de se estabelecer de maneira mais estável.

Com o início da Revolução Industrial, no século 18, o homem se estabeleceu cada vez mais como a força motriz da mudança planetária. As mudanças no sistema terrestre causadas pelos humanos são agora tão grandes que a ciência se refere aos dias atuais como o Antropoceno, a era determinada pelos humanos. Isso não seria um problema, a princípio, se a ciência também não tivesse chegado à conclusão de que estamos mudando o clima e o meio ambiente negativamente.

As mudanças climáticas recentes observadas são generalizadas, rápidas e intensificadas e sem precedentes em milhares de anos. Vivemos no tempo da Emergência Climática. Seis diferentes fontes de dados observados mostram que desde a década de 1960 aumentamos a taxa de aquecimento global de +0,18ºC por década para 0,26ºC por década, atualmente. A temperatura média global em 2023 atingiu preocupantes 1,45ºC e acima de 1,5ºC em todos os meses de 2024 até agora.

As projeções de aumento na temperatura média global para o futuro são ainda mais preocupantes. Em cenários de médias emissões de gases de efeito estufa, as estimativas ficam entre +2,5ºC e 3ºC a partir de meados deste século. Indo além, em cenários de altas emissões, a temperatura média global pode chegar a +4ºC no final deste século. Nesse ponto, a vida humana e os ecossistemas naturais em várias regiões do planeta se tornam insustentáveis, principalmente na região tropical.

Por exemplo: a frequência e intensidade de eventos extremos de calor que ocorriam uma vez a cada 50 anos antes da influência humana devem aumentar cerca de 13 vezes em um aquecimento global de 2ºC e 38 vezes para um aquecimento global de 4ºC. A menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, limitar o aquecimento em 1,5°C, meta mais ambiciosa do acordo de Paris, pode ser impossível.

Ondas de calor, que vêm batendo recordes de temperatura, trazem enormes riscos à saúde de idosos e crianças com menos de 5 anos e vêm afetando pessoas com vários tipos de doenças, especialmente em áreas urbanizadas com pouquíssima vegetação, com temperaturas muito mais altas do que áreas vizinhas com vegetação.

A emergência climática é uma crise dos direitos das crianças

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), entre os anos de 2030 e 2050 a crise climática será responsável por aproximadamente 250 mil mortes adicionais ao ano por desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico. Crianças são mais vulneráveis física, emocional e socialmente às mudanças climáticas. Elas sentem por mais tempo e com maior intensidade impactos de ondas de calor, enchentes, secas e fumaça. Os impactos podem ser mais graves dependendo da situação socioeconômica, gênero, raça, estado de saúde e local de residência com alto risco climático para a criança. Alguns deles incluem doenças respiratórias causadas pela poluição do ar, desnutrição, interrupção de aulas, problemas no desenvolvimento infantil e na capacidade de aprendizagem, estresse e incertezas que podem causar sequelas na vida adulta.

Sob o aquecimento global contínuo, eventos extremos como ondas de calor continuarão a aumentar em frequência, intensidade, duração e extensão espacial nas próximas décadas. Crianças nascidas em 2020 experimentarão um aumento de duas a sete vezes em eventos extremos, particularmente ondas de calor, em comparação com pessoas nascidas em 1960, sob as atuais promessas de política climática global. Além disso, as crianças de hoje enfrentarão quebras de safras e estarão mais expostas aos riscos dos eventos extremos de inundações, enchentes, tempestades severas, furacões, tornados e secas. Ou seja, as gerações mais jovens vão ter que enfrentar mais eventos desse tipo ao longo de suas vidas em comparação com as gerações mais velhas.

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As mudanças climáticas são uma grave ameaça à segurança das gerações jovens e exigem reduções drásticas nas emissões de gases de efeito estufa para salvaguardar seu futuro. O efeito máximo dos gases de efeito estufa sobre o clima ocorre décadas após a emissão: 15% do dióxido de carbono permanece na atmosfera por mais de mil anos. O metano é um gás de efeito estufa que contribui mais para o aquecimento global do que o dióxido de carbono e seu efeito máximo ocorre quarenta anos após a emissão.

Isso tudo levanta questões importantes de solidariedade e justiça entre gerações. Afinal, que planeta vamos deixar para as futuras gerações?

Promover a educação ambiental é essencial. As crianças e adolescentes precisam ser apoiados para se protegerem das ameaças do clima mais extremo e exercerem seu direito de serem escutadas sobre políticas e ações que buscam remediar danos. Temos que implementar efetivamente temas climáticos nas escolas de modo a orientar e dar escala aos processos transformadores da educação ambiental climática.

Políticas ambientais são mecanismos essenciais para impedir que crianças sofram com os impactos climáticos. Não há um Planeta B para as futuras gerações. Protegê-las é garantir o seu futuro. Todos os países que assinaram o Acordo de Paris devem tornar-se ainda mais ambiciosos, acelerar políticas públicas e práticas de adaptação e aumentar a resiliência em todos os setores.

Devemos empoderar as crianças e adolescentes como agentes de mudança, investir e proporcionar as condições para que as novas gerações assumam a liderança na busca de trajetórias sustentáveis para o planeta, com ênfase em justiça social e climática. Temos que caminhar urgentemente na busca da sustentabilidade como nosso principal legado para as futuras gerações. Temos que garantir um planeta mais saudável e próspero para as atuais e futuras gerações!

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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