Carlos Nobre

Carlos Nobre

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

O colapso do manto de gelo da Groenlândia está se aproximando

Com base em evidências de registros paleoclimáticos, observações, modelos matemáticos complexos e teorias, a ciência já identificou ao menos 25 componentes do sistema terrestre que apresentam pontos de não retorno, os chamados tipping points. Na biosfera (o mundo vivo), tipping points estão presentes em uma variedade de ecossistemas. Em colunas anteriores, abordei dois desses sistemas vulneráveis: a floresta amazônica e a grande barreira de recifes de corais da Austrália.

[Esta é a newsletter de Carlos Nobre. Inscreva-se para receber gratuitamente no seu email toda terça-feira]

Na criosfera, partes da superfície terrestre cobertas permanentemente por gelo e neve, há sinais claros de que camadas de gelo na Groenlândia estão perto de ultrapassar um ponto irreversível. Além disso, grandes áreas de permafrost na Sibéria, no Canadá e no Alasca estão descongelando, enquanto a camada de gelo da Antártida ocidental pode estar recuando irreversivelmente.

A criosfera é fundamental para o equilíbrio climático da Terra. Ela armazena grandes quantidades de água doce e carbono, além de regular os padrões climáticos globais e influenciar os principais ecossistemas de nosso planeta. Ela inclui as camadas de gelo na Groenlândia e na Antártida, o gelo marinho, os solos permanentemente congelados do Ártico e as geleiras de montanhas.

As emissões de gases de efeito estufa causadas pelo homem estão rapidamente levando nosso planeta para um clima nunca visto nos últimos 120 mil anos, desde a última Era Interglacial. Monitoramentos por satélites já mostram a instabilidade crescente da camada de gelo da Groenlândia, sugerindo que seu tipping point está se aproximando.

As estimativas atuais para um limite crítico para o manto de gelo da Groenlândia variam de 0,8°C a 3°C de aquecimento global de longo prazo em relação aos níveis pré-industriais (1850-1900), sendo 1,5°C o valor mais provável. Dados paleoclimáticos revelam que, durante o estágio interglacial MIS-5, entre 130 mil e 80 mil anos atrás, a Groenlândia perdeu parte significativa de seu gelo, e que o colapso total ocorreu no estágio MIS-11, entre 424 mil e 374 mil anos atrás. Nesse período, o planeta estava entre 1°C e 2°C mais quente do que nos níveis pré-industriais. No final do último período interglacial, cerca de 120 mil anos atrás, o nível do mar era até 9 metros mais alto, principalmente pelo derretimento da Groenlândia.

A criosfera é uma das áreas do sistema terrestre mais vulneráveis às mudanças climáticas, com suas camadas de gelo já sendo afetadas pelos níveis atuais de aquecimento. A última década foi a mais quente que testemunhamos, e 2023 foi o ano mais quente já registrado pela OMM (Organização Meteorológica Mundial), com a temperatura média global 1,45°C acima dos níveis pré-industriais (1850-1900).

Em setembro de 2024, a temperatura global foi 1,54°C mais alta em comparação com os níveis pré-industriais. Foi o 14º mês, em um período de 15 meses, em que a temperatura média global ficou acima de 1,5°C, segundo o observatório europeu Copernicus. Com um aquecimento superior a 2°C, diversos sistemas, incluindo a camada de gelo da Groenlândia, poderão ultrapassar o ponto de não retorno.

O manto de gelo da Groenlândia é uma camada de gelo continental terrestre com uma área de 1,71 milhão de quilômetros quadrados. Seu derretimento é um problema grave que pode ter consequências dramáticas para nosso planeta. A perda de massa atualmente observada ocorre predominantemente por meio do derretimento superficial e quebra de bordas de icebergs.

Continua após a publicidade

A maior parte da água doce da Terra é armazenada nas camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida, as maiores fontes potenciais para o aumento do nível do mar sob o aquecimento global. Se a camada de gelo da Groenlândia derretesse completamente, os oceanos podem subir até 7 metros, afetando diretamente as áreas costeiras e insulares, além de comprometer infraestruturas e ecossistemas.

De acordo com um estudo publicado na revista Nature em 2024, a Groenlândia perdeu 5.091 quilômetros quadrados de área de gelo entre 1985 e 2022. Desde 1978, as plataformas de gelo do norte da Groenlândia perderam mais de 35% do seu volume total. A perda de gelo na Groenlândia foi responsável por cerca de 17% do aumento do nível do mar entre 2006 e 2018. Entre 1972 e 2022, perdeu em média 107 gigatoneladas de gelo por ano, contribuindo com um total de 15,2 mm para o aumento do nível do mar. Só no ano de 2022, a camada de gelo da Groenlândia perdeu 198 bilhões de toneladas de gelo.

Ação urgente

O principal motivo para o derretimento das geleiras é o aumento das temperaturas globais, causado pelas emissões humanas de gases de efeito estufa, como a queima de combustíveis fósseis, agropecuária e desmatamento. As consequências de cruzar um tipping point na criosfera amplificam os efeitos das mudanças climáticas e têm impactos generalizados, afetando os padrões climáticos regionais, os ecossistemas, o nível do mar, a infraestrutura costeira e os meios de subsistência humanos.

A escala da ameaça representada pelos tipping points do sistema terrestre ressalta a importância das metas climáticas, como o limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris, e significa que a mitigação do aquecimento global precisa ser tratada como emergência.

Se não agirmos rapidamente, as mudanças ambientais poderão sobrecarregar a capacidade de adaptação das sociedades.

Continua após a publicidade

As emissões globais de combustíveis fósseis precisam ser totalmente eliminadas no mundo todo até 2040. O objetivo é alcançar o equilíbrio entre as emissões de carbono e a remoção desse carbono da atmosfera, resultando em zero emissões líquidas, o chamado Net Zero.

Colaborou Wagner Soares, meteorologista pela UFPEL (Universidade Federal de Pelotas), mestre em Meteorologia Agrícola pela UFV (Universidade Federal de Viçosa) e doutor em Meteorologia pelo INPE (Instituto nacional de Pesquisas Espaciais). Possui pós-doutorado na área de mudanças climáticas pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.