COP16 precisa acelerar ações de defesa da biodiversidade da Amazônia
Descrita como o "coração biológico do planeta", a Amazônia desempenha um papel fundamental na regulação do clima e na remoção do dióxido de carbono da atmosfera, além do enorme potencial de sua imensa biodiversidade. No entanto, o desmatamento acelerado, a degradação, os incêndios e o aquecimento global deixaram a região mais vulnerável a eventos climáticos extremos, como secas severas e ondas de calor.
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Um sistema delicado, a floresta amazônica é sensível a períodos de seca prolongados e ao aumento das temperaturas. Árvores e plantas necessitam de água para realizar a fotossíntese e se refrescar em climas quentes. A Amazônia produz entre 30% e 40% de sua própria chuva, especialmente na estação seca, ao extrair água do solo pelas raízes e liberá-la na forma de vapor pelas folhas. Esse vapor resfria o ar e forma nuvens, promovendo chuvas que alimentam o ciclo hidrológico. Durante a estação seca (de julho a novembro), a evapotranspiração é maior, acelerando a transição para a estação chuvosa.
Desde o início de 2024, as previsões sazonais já alertavam para condições de seca extrema na Amazônia, com graves impactos para a população local, que depende dos rios para alimentação, transporte e subsistência. Com o nível dos rios em queda, o transporte por barcos, essencial para o acesso a alimentos e medicamentos, foi seriamente comprometido.
Em toda a floresta tropical, os rios recuaram para níveis historicamente baixos. Neste ano, enormes afluentes que alimentam o rio Amazonas atingiram níveis baixos recordes, encalhando balsas e barcos.
O rio Negro, um dos maiores tributários do rio Amazonas, está em níveis recordes de baixa perto de Manaus para esta época do ano. Seus níveis de água caíram cerca de 17 centímetros por dia, de acordo com o Serviço Geológico do Brasil. Os mínimos ocorrem normalmente no final de outubro, mas neste ano aconteceram mais cedo.
O rio Madeira, um importante afluente do Amazonas, caiu para apenas 48 centímetros em Porto Velho, onde a média é de 3,32 metros, quebrando recordes de baixa anteriores.
No início de outubro, o rio Solimões atingiu o menor nível já registrado para esta época do ano em Tabatinga (AM), deixando comunidades inteiras isoladas e sem acesso à água limpa. Onde antes havia água, vastas extensões de areia ficaram visíveis e balsas e navios ficaram encalhados. Em 4 de outubro, medições indicaram que o rio Solimões havia caído para 254 centímetros abaixo da marca zero do medidor, um recorde.
Localizado na margem norte do rio Solimões, o Lago Tefé também está bastante afetado. Em agosto, ele encolheu drasticamente em comparação ao mesmo período de 2023, quando mais de 200 botos e tucuxis foram encontrados mortos durante a seca histórica com água em temperaturas recorde. Novamente há mortes dessas espécies de golfinho. Também houve uma taxa histórica de morte de peixes devido às altas temperaturas da água e à baixa concentração de oxigênio.
A maior seca na Amazônia ocorre devido a quatro principais fatores:
El Niño, da metade de 2023 até maio de 2024. O fenômeno é associado a uma camada de água quente no Pacífico equatorial centro-leste que normalmente muda os padrões de precipitação de forma a reduzir a chuva na Amazônia, especialmente durante os meses de julho até setembro, durante a estação seca. A magnitude da seca atual é mais severa do que a região viu em 2015-2016, a última vez que um forte El Niño ocorreu. O El Niño já acabou, mas as condições secas persistem na região. Atualmente, o fenômeno está com tendência de La Niña fraco a moderado e de curta duração.
Uma área de grande aquecimento no Atlântico Norte também afetou os padrões de precipitação e contribuiu para a seca recorde e prolongada, uma vez que esta região mais quente induz secas na Amazônia.
O desmatamento aumenta as temperaturas e muda os padrões de chuva. Há muitas décadas a Amazônia tem sido alvo de desmatamento principalmente para pastagens da pecuária, mineração ilegal, extração de madeira e queimadas, degradando tanto o solo quanto os rios. Quase um quinto desta floresta tropical foi perdida nos últimos 50 anos por desmatamento e outros 17% foram degradados. Áreas de pastagens reduzem muito a reciclagem de água durante a estação seca.
As mudanças climáticas contribuem para piorar as condições de seca de três maneiras principais: durante as estações secas a bacia amazônica está recebendo menos chuvas do que antes, à medida que os padrões climáticos mudam. Temperaturas mais altas aumentam a evapotranspiração, fazendo com que o solo e as plantas percam mais água. O aquecimento global tem tornado os El Niños mais intensos, e o Atlântico Norte mais quente. Nos últimos 40 anos, em todo sul da Amazônia, a estação seca já está 4 a 5 semanas mais longa. A Amazônia vem enfrentando duas secas por década nos últimos 20 anos (2005, 2010, 2015-16 e 2023-24), quando por um longo período no passado ocorria uma seca mais severa a cada duas décadas.
A Amazônia abriga mais de 47 milhões de pessoas, incluindo 2,2 milhões de populações indígenas e comunidades locais, que dependem dos recursos florestais para sobreviver. Ela abriga mais de 13% das espécies de flora e fauna conhecidas da Terra, incluindo o boto-cor-de-rosa, ameaçado de extinção. Perder a floresta amazônica seria devastador não só para as comunidades locais e a vida selvagem que ela sustenta, mas para o equilíbrio ambiental do nosso planeta.
Políticas ambientais focadas na preservação, controle do desmatamento e combate às queimadas são cruciais para evitar a degradação da floresta causada pelo homem. Precisamos de ações transformadoras de todos os setores e em todos os níveis de governo. Uma ação global coordenada é cada vez mais urgente para mitigar esses efeitos e evitar que os impactos climáticos se tornem irreversíveis na Amazônia. Salvaguardar os sistemas naturais que sustentam toda a vida requer o envolvimento de todos.
A cúpula da COP16 da Biodiversidade, que está ocorrendo em Cali, na Colômbia, deve acelerar as ações para transformar sistemas com impacto prejudicial à natureza. Estamos num momento crucial para os governos e o setor privado começarem a agir de forma contundente em defesa da biodiversidade. Mas, o sucesso depende das decisões que tomarmos e das ações que colocarmos em prática nos próximos cinco anos.
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