Mudanças climáticas e desastres: a importância dos alertas antecipados
Os impactos das mudanças climáticas têm intensificado desastres naturais ao redor do mundo, aumentando a frequência e severidade de fenômenos como as chuvas torrenciais que atingiram a Espanha na semana passada.
No caso da Espanha, chama a atenção o fato de os sistemas de alerta terem falhado. Primeiros registros de chuva intensa e transbordamento de rios foram pouco antes de 12h (horário local). Mas apenas às 20h os celulares vibraram com o alerta público dizendo aos moradores para ficarem em casa.
Esse foi o pior desastre natural recente da Espanha. Na região de Valência, onde há 213 mortes confirmadas, um ano de chuva caiu em menos de 8 horas, de acordo com a Aemet (Agência Estatal de Meteorologia). Ainda não se sabe quantas pessoas estão desaparecidas. As águas recuaram, mas a recuperação da destruição levará semanas e meses.
Diante dos crescentes impactos de desastres provocados por eventos climáticos extremos cada vez mais intensos e frequentes, um resultado direto das mudanças climáticas, a implementação de um sistema integrado de alertas, aliado a medidas complementares, é fundamental para fortalecer a resiliência das comunidades brasileiras frente a esses desafios.
Existe, no entanto, uma confusão de que uma previsão de chuva extrema é uma previsão de desastre. A chuva extrema pode, sim, deflagrar desastres em municípios expostos e vulneráveis, mas a chuva extrema não é o desastre.
Para que os sistemas de alerta funcionem, não basta que o poder público tenha acesso à previsão do tempo. Um sistema de alerta integra o monitoramento, a previsão de ameaças, a avaliação de risco de desastres, bem como de sistemas e processos de comunicação e atividades de preparação que possibilitam ações preventivas para mitigar desastres.
A previsão do tempo é parte importante disso. Ela se baseia em dados atmosféricos (precipitação, ventos, umidade relativa do ar, pressão atmosférica, entre outros) observados em estações meteorológicas, em modelos numéricos de previsão, em imagens de satélite e em radares meteorológicos para poder determinar o comportamento das condições meteorológicas nas próximas horas ou dias numa área ou região geográfica.
Por outro lado, um alerta indica que a situação de risco de desastre é previsível em curto prazo. A condição de alerta inclui uma fase de preparação para o desastre de modo a proteger a população, mobilizando os recursos necessários para a resposta.
No Brasil, são significativos o número e a intensidade dos desastres provocados, especialmente, por inundações, enchentes, enxurradas, deslizamentos, secas, ondas de calor e fogo que ocasionam, além de mortes, enormes perdas econômicas, destruição de moradias e de infraestrutura. Isso levou, em 2011, à criação do Cemaden/MCTI (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações), que atua no desenvolvimento científico e tecnológico para aprimorar continuamente os alertas de desastres.
O Cemaden realiza o mapeamento de áreas de risco de deslizamentos, inundações e enxurradas que são consequência de chuvas intensas e contínuas, assim como de áreas sob risco de serem afetadas por ressacas que causam inundações costeiras. Também monitora desastres de secas extremas e ondas de calor que podem aumentar o risco de fogo e afetar a segurança alimentar, de saúde, hídrica e energética.
O principal objetivo do Cemaden é monitorar e emitir alertas que ajudem a preservar vidas e reduzir a vulnerabilidade social e econômica diante de eventos extremos. Compete à instituição elaborar e emitir alertas de risco de desastres, implementar e aperfeiçoar continuamente estes sistemas integrados de alerta e as medidas complementares são essenciais para aumentar a resiliência das comunidades brasileiras frente aos desastres, garantindo uma resposta rápida e eficaz que salva vidas e minimiza danos.
Esses alertas não são disseminados diretamente para a população, mas são emitidos e enviados à Sedec/Cenad (Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres) do Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional, permitindo às defesas civis municipais emitirem os alertas para a população dos municípios monitorados.
Por outro lado, não cabe ao Cemaden a emissão de previsão de tempo, responsabilidade do Inmet, Cptec/Inpe e de empresas privadas. Da mesma forma, os órgãos e empresas de meteorologia não têm a atribuição legal de emitir previsões de alertas de riscos de desastres.
A má interpretação e o uso incorreto de previsões e alertas por setores da sociedade geram informações desencontradas que podem levar à inação e colocar a população em risco. A responsabilidade pelo uso adequado dessas informações e pela emissão de alertas cabe aos governos, que devem garantir que produtos meteorológicos sejam utilizados corretamente.
*José Marengo possui graduação em Meteorologia e mestrado em Engenharia de Recursos de Água e Terra pela Universidad Nacional Agraria do Peru. É doutor em Meteorologia pela University of Wisconsin dos EUA. Fez pós-doutorado em modelagem climática na Nasa-GISS, Columbia University em Nova York e na Florida State University. Foi coordenador científico da previsão climática do CPTEC-INPE. Atualmente é pesquisador titular e Coordenador Geral de Pesquisa e Desenvolvimento no Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).
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