Mudanças climáticas devem impactar produção de energia solar no Brasil
O aquecimento global impacta o clima de várias formas, alterando os padrões de chuva, temperatura, distribuição de nuvens e, consequentemente, a quantidade de radiação solar que chega à superfície. Um aumento na radiação solar afeta o ciclo hidrológico e as culturas agrícolas, aumentando a aridez do solo, a evaporação de reservatórios, com consequências também sobre a saúde e a biodiversidade. Porém, avaliar todos esses fatores de maneira conjunta não é tarefa simples.
Do ponto de vista energético, a radiação solar contribui para um maior potencial de geração de eletricidade, sendo uma peça-chave para a transição energética no país. No sistema elétrico brasileiro predominam as usinas hidroelétricas, que permitem atender nossa demanda com reduzida emissão de gases de efeito estufa, porém bastante afetadas pelos crescentes eventos extremos de secas.
A diversificação de nossa matriz proporcionou um verdadeiro boom da energia solar no país, que saltou de uma capacidade instalada de pouco mais de 2,4 GW em 2018 para mais de 48 GW neste ano, um aumento de mais de 20 vezes em 5 anos. A energia solar representa hoje a segunda maior fonte de eletricidade no país, respondendo por 20,2% do nosso parque gerador.
Após avaliar 42 modelos climáticos globais e centenas de projeções climáticas e compará-los a uma extensa base de dados, incluindo informações de satélites, um estudo recente mostra que a radiação solar deve aumentar cerca de 2% em grande parte do território nacional até o fim do século, incluindo a Amazônia, o Cerrado e a Caatinga. No Sudeste brasileiro, o aumento pode chegar a 5% durante os meses de primavera, principalmente no estado de Minas Gerais. Há também regiões que receberão menor incidência de radiação solar, com reduções de até 4% no Rio Grande do Sul e de até 1% no litoral do Maranhão, Piauí e Ceará. Considerando a matriz atual, isto representa uma geração adicional de 1,2 TWh por ano, o que seria suficiente para abastecer aproximadamente 580 mil residências e evitaria a emissão de 428 mil toneladas de CO2 para a atmosfera. Estas alterações são causadas pela mudança climática em curso, como consequência das emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera.
Os resultados da pesquisa mostram que o setor de energia respondeu por mais de dois terços das emissões em 2023, chegando a 37,4 bilhões de toneladas de CO2, um novo recorde. O aumento da radiação solar se deve principalmente à redução da nebulosidade, devido à redução de chuvas e ao aumento de ondas de calor em boa parte do país, principalmente durante os períodos mais secos do ano.
Neste momento, o Brasil e o mundo sofrem com os eventos climáticos extremos que vêm causando impactos significativos em diversas áreas da vida cotidiana. As secas prolongadas, quando associadas com ondas de calor, têm seu impacto amplificado sobre a saúde da população, o conforto térmico nos centros urbanos e a produção de alimentos (agricultura e pecuária), para citar alguns exemplos já vivenciados por todos.
Além disso, os baixos volumes de água armazenada nos reservatórios afetam também o abastecimento da população e a geração de eletricidade, tão necessária para enfrentar os impactos mencionados anteriormente. Centenas de parques eólicos do Nordeste vêm enfrentando anos seguidos com geração de eletricidade abaixo do esperado em função da variabilidade do clima. Por fim, as estiagens afetam a navegação nos rios, como observado recentemente na região amazônica, isolando populações e dificultando o escoamento de produção e insumos, o que configura uma situação de vulnerabilidade climática.
Essas informações são essenciais para que possamos nos planejar e nos adaptar ao clima futuro. O aumento do consumo de energia associado às ondas de calor cada vez mais frequentes traz uma insegurança crescente na capacidade de atender à demanda apenas com hidroeletricidade.
Consolidar a diversificação das fontes renováveis na matriz energética do país é fundamental. Neste sentido, em primeira análise, o aumento da incidência de radiação solar durante os meses mais secos pode contribuir para reduzir a vulnerabilidade do sistema elétrico, pois a oferta de energia solar será maior na época em que os reservatórios das hidrelétricas estão mais vazios. Adicionalmente, especialmente na Amazônia, reservatórios de hidrelétricas impactam a biodiversidade aquática, populações ribeirinhas e podem também emitir grande quantidade de gases de efeito estufa, como é o caso do reservatório de Balbina, no Amazonas, que emite 3 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano.
Diante da emergência climática, é vital reconhecermos que a energia é uma preocupação global primordial. O acesso à energia está intrinsecamente ligado ao crescimento econômico e ao bem-estar social. A longo prazo, a política energética deve contemplar o crescimento e modernização da infraestrutura com base em um conhecimento sólido sobre a disponibilidade de recursos energéticos renováveis com foco na sustentabilidade ambiental e na resiliência do nosso sistema elétrico aos fenômenos climáticos.
A Agenda 2030 da ONU estabelece em seu Objetivo 7 "Prover energia limpa e acessível" à população. Estima-se que no mundo ainda existam 685 milhões de pessoas sem acesso à eletricidade e 2,1 bilhões que ainda utilizam lenha para cozinhar. No Brasil, o maior desafio se dá no acesso à eletricidade por populações isoladas, principalmente na Amazônia, que podem se beneficiar pelo aumento na produtividade de geração solar. Já o acesso a métodos limpos de cocção (principalmente o gás de cozinha) é um desafio no país, principalmente para populações de baixa renda, trazendo insegurança alimentar.
Conhecer o potencial de geração solar é essencial para a nossa transição energética. O Brasil terá duas oportunidades para contribuir com a agenda global de transição energética: a reunião do G20 em novembro de 2024 e a COP30 em novembro de 2025. Ambas fornecem plataformas para discussões e decisões justas e inclusivas sobre a transição energética.
Na última sexta-feira (8), o governo federal apresenteu sua nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), com o objetivo de reduzir emissões em 67% até 2035 para limitar o aumento da temperatura do planeta. É imperativo fortalecer os compromissos assumidos com ações concretas, considerando aspectos ambientais, sociais e econômicos, reconhecendo que não existe uma solução única que sirva para todos os países. Conforme dito pelo atual presidente: "É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis."
*André Gonçalves é graduado em Engenharia pela USP, mestre em Meteorologia e doutor em Ciência do Sistema Terrestre, ambos pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Atualmente é tecnologista na DIIAV/Inpe (Divisão de Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades) onde realiza pesquisas sobre energias renováveis e os impactos das mudanças climáticas sobre a segurança energética brasileira.
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