Inundações em áreas urbanas: como proteger as cidades?
Esta é a newsletter do professor Carlos Nobre. Inscreva-se gratuitamente para receber no seu email toda terça. Conheça as demais newsletters do UOL. São dezenas de opções sobre os mais variados assuntos para a sua escolha.
O estado do Rio Grande do Sul enfrentou tragédias climáticas devastadoras em 2024. Em maio, o pior desastre climático já registrado na região causou 183 mortes. A inundação do lago Guaíba, em Porto Alegre, no dia 5, ocorreu por falha no sistema de drenagem e no sistema de diques, que não funcionou como esperado.
Mais recentemente, em 1º e 2 de dezembro, a capital gaúcha enfrentou nova crise. Em uma hora, choveu 40 milímetros, e a falta de energia elétrica limitou o funcionamento das bombas de drenagem do 4º Distrito a apenas 50% da capacidade.
As previsões meteorológicas de alerta de risco de inundação foram emitidas corretamente, mas onde está o elo fraco das ações de adaptação a tais eventos extremos? O problema é que o sistema de drenagem na cidade não foi suficiente para escoar a precipitação, e as bombas não funcionaram na sua capacidade total, o que "facilitou" os alagamentos.
Por que as cidades alagam?
Nas condições típicas da maioria das cidades do mundo, alagamentos são esperados durante chuvas intensas. A rede de drenagem é feita para chuvas frequentes, e a água escoa quando a intensidade da chuva diminui. Uma rede de drenagem capaz de atender qualquer chuva seria extremamente cara e ficaria ociosa na maior parte do tempo. Os alagamentos acontecem geralmente durante a estação chuvosa, e a questão é se ela é superior aos parâmetros de projeto da rede de drenagem, se a rede está com problemas de obstrução ou as duas coisas juntas.
O urbanismo, a hidrologia e a restauração florestal em grande escala devem conversar para solucionar problemas no escoamento, numa perspectiva estética e funcional das chamadas "cidades-esponja". Essa estratégia contribuiria significativamente na reconstrução do Rio Grande do Sul, reduzindo o risco de novas enchentes e seus impactos devastadores, evitando o transbordamento de rios ou lagos, como o Guaíba, e minimizando os danos materiais e humanos.
As cidades-esponja emergem como uma alternativa viável e sustentável. Projetadas para absorver, armazenar e regular o fluxo da água da chuva, reduzindo alagamentos e seus impactos, essas cidades devem reservar áreas específicas para que as inundações sejam seguras durante eventos climáticos extremos.
Além de minimizar enchentes, cidades-esponja oferecem benefícios ambientais, como redução da temperatura urbana, criação de microclimas mais saudáveis e diminuição de até 30% da poluição. Esses espaços, que combinam vegetação e infraestrutura permeável, também funcionam como áreas de lazer.
Elas representam uma solução inteligente e adaptativa diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas, especialmente diante das intensas enchentes que têm impactado cidades em todo o mundo.
Inspirado em soluções naturais, o conceito foi desenvolvido pelo arquiteto e urbanista chinês Kongjian Yu, após uma enchente em Pequim, em 2012, que resultou na morte de mais de 80 pessoas. Yu liderou diversos projetos voltados para a absorção das águas na China, incluindo a criação de parques alagáveis, que se mostraram essenciais na construção de uma das referências globais em gestão hídrica.
O conceito de cidades-esponja representa uma abordagem inovadora e essencialmente interdisciplinar para enfrentar os desafios das enchentes urbanas e a gestão sustentável dos recursos hídricos nas áreas urbanas.
Na China e em Cingapura, as esponjas urbanas diminuem enormemente inundações ribeirinhas. Essas soluções baseadas na natureza combinam vegetação e infraestrutura para criar espaços que armazenam temporariamente a água da chuva, além de servirem como áreas de lazer para a população. Assim, é importante adicionar a dimensão urbanística na pauta do enfrentamento dos desastres, para que soluções previstas para mitigar os efeitos dos extremos climáticos sejam desenhadas com custos adequados às possibilidades tecnológicas e conhecimento disponíveis nos dias de hoje.
Soluções de infraestrutura também passam por paralelepípedos nas ruas, como aqueles de algumas cidades históricas no Brasil, assim como formas de asfalto que permitem a percolação da água e diminuem os alagamentos. Para que o conceito de cidade-esponja funcione, é necessário um esforço conjunto entre governos, sociedade civil e setor privado.
Embora ainda não tenhamos no Brasil uma cidade que possa ser categorizada como uma cidade-esponja completa, Curitiba, já adota técnicas inovadoras para lidar com os desafios das enchentes urbanas.
São Paulo é uma cidade vulnerável a chuvas fortes, devido ao processo de urbanização acelerado e desordenado. Os primeiros esforços foram direcionados para sistemas de monitoramento e alerta. De fato, podemos ter o melhor monitoramento geo-hidro-meteorológico, mas, se não resolvermos o problema da drenagem urbana, continuaremos sofrendo com extremos de chuva.
Drenagem é um tema recorrente e complexo, pois envolve intervenções em áreas com alta densidade populacional. Algumas cidades têm implementado iniciativas como jardins de chuvas e áreas permeáveis, que visam absorver, armazenar e filtrar a água da chuva de maneira eficiente. Os jardins de chuvas, por exemplo, são projetados para captar e direcionar a água da chuva para áreas ajardinadas, onde ela é absorvida pelo solo e posteriormente utilizada pelas plantas, reduzindo assim o volume de água que escoa para as ruas e rios.
É necessário um esforço conjunto entre governos, a academia, sociedade civil e setor privado para ampliar e aprimorar essas práticas, tornando-as mais acessíveis e eficazes em todo o país, o que constitui uma adaptação das cidades frente aos crescentes volumes de chuvas observados no presente e previstos em aumentar em frequência e intensidade no futuro.
*José Marengo tem graduação em Meteorologia e mestrado em Engenharia de Recursos de Água e Terra pela Universidad Nacional Agraria do Peru. É doutor em Meteorologia pela University of Wisconsin dos EUA. Fez pós-doutorado em modelagem climática na Nasa-GISS, Columbia University em Nova York e na Florida State University. Foi coordenador científico da previsão climática do CPTEC-INPE. Atualmente é pesquisador titular e Coordenador Geral de Pesquisa e Desenvolvimento no Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.