2024: o ano em que os riscos dos extremos climáticos se tornaram realidade
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Em 2024, a OMM (Organização Meteorológica Mundial) emitiu um alerta vermelho sobre o ritmo das alterações climáticas devido aos níveis crescentes de GEE (gases de efeito estufa) na atmosfera. Em novembro, dados da NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos) mostraram que a concentração de dióxido de carbono (CO2) chegou a 423,85 partes por milhão (ppm), contra 420,46 ppm, em novembro de 2023, e 313,33 ppm, em novembro de 1958, primeiro ano das medidas. A taxa anual de aumento na concentração de CO2 subiu de 0,87 ppm durante a década de 1960 para 2,44 ppm entre 2010 e 2024, ou seja, quase triplicou. A maior concentração dos GEE na atmosfera, devido à atividade humana, foi responsável por grande parte dos recordes de calor e extremos de chuva em 2024.
Faço aqui um panorama de extremos climáticos que ocorreram no mundo durante 2024. Como era previsto, globalmente 2024 não foi um ano de boas notícias. Infelizmente o clima extremo atingiu um novo patamar:
A perda de geleiras acelerou.
O gelo marinho da Antártida atingiu o segundo nível mais baixo já registrado, ficando abaixo apenas de 2023.
O calor dos oceanos continua aumentando. A temperatura da superfície do oceano global foi a mais quente já registrada.
A elevação do nível do mar continuou aumentando devido à expansão térmica de águas mais quentes e ao derretimento de geleiras e camadas de gelo.
De acordo com o observatório europeu Copernicus, o mês mais quente de 2024 foi outubro, com uma temperatura média do ar de 1,65°C acima do nível pré-industrial (1850-1900).
Os incêndios florestais mataram 131 pessoas no Chile, 15 no Peru, 7 em Portugal e 3 no Brasil.
No México, semanas de calor e seca levaram à escassez de água e 155 mortes.
Na Arábia Saudita as temperaturas atingiram 51,8°C durante a peregrinação no Hajj, em meados de junho, matando 1.301 pessoas.
Na Índia, as temperaturas atingiram cerca de 49°C durante vários dias em abril e maio, afetando milhões de pessoas. O estado de Rajastão registrou 50,5°C em maio e em Nova Déli os termômetros registraram 52,9°C no dia 31 de maio, matando 85 pessoas.
Em Tóquio as temperaturas médias ficaram 1,76°C acima do normal entre junho e agosto. Uma onda de calor causou mais de 70 mil hospitalizações por estresse por calor e mais de 120 mortes. Foi o verão mais quente do Japão desde que começaram a fazer os registros, em 1898.
O verão de 2024 na Europa foi o mais quente já registrado. O mês de agosto foi o mais quente da história, com uma temperatura média de 16,82°C, 0,71°C acima da média de 1991 a 2020, um período de referência recente.
Em 22 de julho nosso planeta teve o dia mais quente da história. A temperatura média global diária atingiu 17,15°C.
A América do Sul, a Oceania, a Ásia e a África tiveram todos os meses de 2024 mais quentes já registrados.
Globalmente o ano de 2024 foi o mais quente já registrado, sendo o primeiro a ultrapassar 1,5°C acima dos níveis pré-industriais (1850-1900). As mudanças climáticas adicionaram 41 dias de calor extremo este ano.
Além dos extremos de temperatura, o ano de 2024 testemunhou muitos eventos de chuvas extremas ao redor do mundo. Vou destacar pouquíssimos exemplos:
Em setembro eventos de chuvas severas, incomuns na região da Faixa do Sahel, ao sul do deserto do Saara, destruiu mais de 30 mil hectares de plantações.
Em setembro o furacão Helene atingiu o sudeste da América do Norte causando mais de 230 mortes. O tufão Krathon atingiu Taiwan e as Filipinas causando 18 mortes.
No Nepal, de 26 a 28 de setembro, fortes chuvas causaram enchentes repentinas, deslizamentos de terra e inundações fluviais, matando 244 pessoas.
Na Europa Central, em meados de setembro, uma grande região sofreu fortes chuvas que quebraram recordes locais e nacionais. A enchente afetou quase dois milhões de pessoas, e pelo menos 24 pessoas morreram.
Na Índia os eventos climáticos extremos de chuva danificaram 3,2 milhões de hectares de plantações, destruíram cerca de 230 mil casas e edifícios e mataram mais de 9.400 animais de criação. Somente em um evento de chuva severa que causou deslizamentos, mais de 100 pessoas morreram em 31 de agosto.
Na Espanha, inundações mortais ocorreram em Valência no final de outubro, onde mais de 200 pessoas perderam a vida.
No Brasil ocorreram enchentes severas incluindo a tragédia climática do Rio Grande do Sul que matou 183 pessoas.
Por outro lado, por exemplo em maio de 2024, secas severas afetaram áreas agrícolas significativas, principalmente nas Américas, África, Europa Oriental e partes da Ásia.
Segundo o WWA (World Weather Attribution), muitos eventos extremos que ocorreram no início de 2024 foram influenciados pelo El Niño, mas a mudança climática desempenhou um papel maior em alimentar esses eventos. A queima de petróleo, gás e carvão é a causa do aquecimento e a principal razão pela qual o clima extremo está se tornando mais severo. Em 2024 os riscos dos extremos climáticos se tornaram realidade.
As mudanças climáticas contribuíram para a morte de pelo menos 3.700 pessoas e o deslocamento de milhões. Como vimos, durante 2024, a intensificação dos fenômenos meteorológicos e climáticos extremos causaram perdas humanas em todo planeta de forma assustadora.
Além disso, em relação às perdas econômicas, no primeiro semestre de 2024, os desastres causaram perdas globais de US$ 120 bilhões. Desse total, US$ 56,6 bilhões (68%) foram decorrentes de eventos extremos, como tempestades, inundações e incêndios florestais. Só nos Estados Unidos, até novembro, foram contabilizados US$ 24 bilhões em danos devido a 24 eventos extremos que incluíram 17 tempestades severas, 4 ciclones tropicais, 1 incêndio florestal e 2 tempestades de inverno.
A mudança climática forçada pelo aumento nas concentrações de GEE na atmosfera significa que todos os anos que virão de agora em diante podem ser esperados como mais quentes.
Se temos alguma esperança de mitigar as mudanças climáticas o suficiente para limitar o aquecimento global aos aumentos de 1,5°C ou 2°C acima da média pré-industrial, conforme declarado no Acordo de Paris de 2015, então precisamos colocar em prática políticas de reduções significativas nas emissões para diminuir as chances de aquecimentos em níveis ainda mais perigosos. Temos que estar comprometidos em reverter a trajetória de aquecimento atual que aponta para 2,5°C e 3°C após 2050. Para isso temos que reduzir as emissões globais em 43% até 2030 e zerar as emissões líquidas até 2050, metas da COP26 de 2021 que ocorreu em Glasgow na Escócia.
O que é muito preocupante é que se implementarmos políticas em andamento, diminuiremos as emissões em apenas cerca de um quarto da quantidade necessária para não ultrapassarmos 2°C e chegarmos em 2050 com 1,5°C de aquecimento. Assim, como sociedade, precisamos agir emergencialmente. São necessários pacotes de soluções incluindo códigos de construção, mandatos de eficiência energética, soluções baseadas na natureza e subsídios proporcionais a realidade da emergência climática que o ano de 2024 nos mostrou.
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