Carlos Nobre

Carlos Nobre

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

As 10 cidades que tiveram calor recorde acima de 43ºC no Brasil em 2024

Esta é a newsletter do professor Carlos Nobre. Inscreva-se gratuitamente para receber no seu email toda terça. Conheça as demais newsletters do UOL. São dezenas de opções sobre os mais variados assuntos para a sua escolha.

O ano de 2024 marcou um recorde histórico como o mais quente já registrado, com a temperatura média global ultrapassando 1,5°C dos níveis pré-industriais (1850-1900). Esse aumento está diretamente ligado à queima de combustíveis fósseis, principal responsável pelo aquecimento global e pela intensificação de eventos climáticos extremos.

No Brasil, os impactos foram evidentes. Enquanto o país enfrentou temperaturas recordes e uma seca severa, o Rio Grande do Sul sofreu enchentes catastróficas que devastaram cidades inteiras no estado.

Calor extremo

De acordo com o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), o ano de 2024 foi o mais quente no Brasil desde 1961. A temperatura média ficou em 25,02°C, sendo 0,79°C acima da média histórica de 1991-2020, que é de 24,23°C. É importante ressaltar que os primeiros meses de 2024 estavam sob influência do fenômeno El Niño, com intensidade de forte a muito forte, sendo o terceiro mais forte do registro histórico.

A primeira semana de outubro foi marcada pelo calor extremo devido a uma onda de calor que atingiu a porção centro-norte do país. Se a temperatura de 40ºC é popularmente entendida como muito quente e fora do normal, elevamos esse patamar em 2024. Listamos aqui as 10 cidades que bateram recordes de calor e a máxima de 43°C, principalmente no início de outubro de 2024, de acordo com dados do Inmet:

  1. Goiás (GO) - 44,5°C em 6 de outubro
  2. Cuiabá (MT) - 44,1°C em 6 de outubro
  3. Indiaporã (SP) - 43,3°C em 8 de outubro
  4. Aragarças (GO) - 43,3°C em 3 de outubro
  5. Rio de Janeiro (RJ), na estação do bairro Guaratiba - 43,2°C em 28 de novembro
  6. Corumbá (MS), na estação de medição de Nhumirim - 43,2°C em 6 de outubro
  7. Coxim (MS) - 43,1°C em 6 de outubro
  8. Santa Salete (SP) - 43,1°C em 8 de outubro
  9. Valparaíso (SP) - 43,1°C em 8 de outubro
  10. Santo Antônio de Leverger (MT) - 43,0°C em 6 de outubro

Chuvas extremas

Cavalo Caramelo: um símbolo de resistência e esperança aos extremos climáticos. Em maio de 2024, ficou 4 dias sobre um telhado em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, até ser resgatado
Cavalo Caramelo: um símbolo de resistência e esperança aos extremos climáticos. Em maio de 2024, ficou 4 dias sobre um telhado em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, até ser resgatado Imagem: Record News/Reprodução de vídeo
Continua após a publicidade

As chuvas extremas que atingiram o Rio Grande do Sul entre o fim de abril e o início de maio de 2024 deixaram um rastro de destruição, mortes e prejuízos. O Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) já havia lançado alertas de desastres como inundações, enxurradas e deslizamentos de encostas dias antes do início das chuvas devastadoras. A crise climática no estado causou 183 mortes, atingiu 478 municípios (96%) e mais de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas. A CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) estima que a economia brasileira tenha perdido R$ 97 bilhões com as chuvas. E isso mostra o tamanho dos impactos que já sofremos.

A partir dos dados do Inmet, listamos as 10 cidades com maiores acumulados mensais de chuvas excepcionais registradas no Brasil durante 2024. Os valores são de 4 a 6 vezes maiores que os valores esperados para os períodos considerados:

  1. Caxias do Sul (RS) - 845,3 mm em maio
  2. Salvador (BA) - 821,7 mm em abril
  3. Soledade (RS) - 773,8 mm em janeiro
  4. Canela (RS) - 767,2 mm em maio
  5. Bento Gonçalves (RS) - 763,0 mm em maio
  6. Turiaçu (MA) - 750,0 mm em março
  7. Tracuateua (PA) - 746,8 mm em março
  8. Guaratuba (PR) - 722,2 mm em janeiro
  9. Água Boa (MT) - 717,4 mm em novembro
  10. Oiapoque (AP) - 715,4 mm em maio

Secas

Dados do Cemaden revelam que mais da metade do Brasil foi diretamente impactada pela crise climática em 2024. Os biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal enfrentaram a pior seca dos últimos 70 anos. Até setembro, cerca de 1.200 municípios enfrentaram condições de seca severa, enquanto 263 estavam em situação de seca extrema, grau superior na escala de gravidade.

Dentre os municípios afetados, 500 tiveram mais de 80% de suas áreas atingidas, com destaque para São Paulo (133), Roraima (45) e Alagoas (39). Outros 195 apresentaram entre 60% e 80% de comprometimento, e 228 municípios apresentaram mais do que 80% de suas áreas de produção agropecuária atingidas pela seca, principalmente nos estados de São Paulo (38), Paraná (27), Minas Gerais (23), Mato Grosso (20) e Pará (20).

Continua após a publicidade

Desde o início de 2024, as previsões sazonais já alertavam que a Amazônia enfrentaria condições extremas de seca com graves consequências para a população local. Com os baixos níveis dos rios, os barcos, principais formas de transporte, não puderam ser usados.

Em toda a floresta tropical, o rio Amazonas e seus principais afluentes, como os rios Negro, Madeira e Solimões, registraram níveis historicamente baixos, causando o encalhe de balsas e barcos e tirando vidas. No Lago Tefé, localizado na margem norte do rio Solimões, altas temperaturas da água e a baixa concentração de oxigênio provocaram uma taxa histórica de mortalidade de peixes e a morte de golfinhos, evidenciando os impactos devastadores da crise climática na biodiversidade aquática da região.

Queimadas e poluição

De acordo com o Programa Queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Brasil terminou 2024 com 278.229 focos ativos detectados por satélite, um aumento de 46% em relação ao ano de 2023, quando foram registrados 189.901 focos. A Amazônia foi o bioma mais atingido com 140.346 focos, um aumento de 42% em comparação ao ano de 2023. No Cerrado foram 81.468, na Mata Atlântica, 21.328, na Caatinga, 20.235, e no Pampa, 424 focos.

De acordo com o Cemaden, o clima no Brasil em agosto foi o mais seco em 44 anos, criando um cenário propício para incêndios, com altas temperaturas, baixa umidade e ventos fortes.
Análises do observatório europeu Copernicus mostraram que o estado de São Paulo esteve entre os locais mais afetados por incêndios florestais no mundo e, segundo o Inpe, foram 3.612 focos ativos, o maior número para qualquer mês de agosto nas cidades do estado de São Paulo desde 1998, quando os levantamentos foram iniciados.

Em boletim, a Defesa Civil estadual informou que os incêndios na vegetação deixaram ao menos 62 vítimas no estado, sendo dois mortos em São José do Rio Preto e 60 feridos na região de Ribeirão Preto. Além disso, 810 pessoas ficaram desalojadas.

Continua após a publicidade

São Paulo foi a cidade com a pior qualidade do ar do mundo por cinco dias consecutivos, entre 9 e 13 de setembro, de acordo com o ranking da empresa IQAir, que monitora a qualidade do ar em mais de 120 grandes cidades do mundo. A maior parte da poluição veio das queimadas no Cerrado e Amazônia por meio dos rios voadores, que se tornaram rios de fumaça.

E 2025?

Em novembro, o Brasil sediará na cidade de Belém a COP30, a cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima, na qual o mundo deverá traçar as trajetórias para cortes muito mais rápidos das emissões de gases de efeito estufa e estratégias para o enfrentamento e adaptação aos crescentes extremos climáticos.

A volta de Donald Trump, um negacionista do clima, à presidência dos EUA deve ser um obstáculo para a cooperação climática global. Mas, independentemente da postura do governo dos EUA, o Brasil deve colocar em prática e intensificar seus compromissos de políticas de sustentabilidade.

Temos que zerar o desmatamento, a degradação florestal e os incêndios da vegetação em todos os biomas brasileiros. Temos que acelerar a transição para a agricultura e pecuária regenerativas, que emitem menos gases de efeito estufa e são mais resilientes aos extremos climáticos. A adaptação aos eventos extremos é necessária para reduzir o impacto dos efeitos adversos das mudanças climáticas e proteger as populações, o meio ambiente e as estruturas existentes. Devemos aperfeiçoar sistemas de previsão e alertas de desastres causados por extremos de clima e proteger as populações em áreas de risco.

*Wagner Soares é meteorologista pela UFPEL (Universidade Federal de Pelotas), mestre em Meteorologia Agrícola pela UFC (Universidade Federal de Viçosa) e doutor em Meteorologia pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Possui pós-doutorado na área de mudanças climáticas pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.