Carlos Nobre

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Opinião

Investir em bioindustrialização é melhor que explorar petróleo e gás

Em todo o mundo, empresas continuam a investir trilhões de dólares na exploração de combustíveis fósseis. A Petrobras, por exemplo, planeja destinar US$ 3 bilhões para a perfuração de poços de petróleo e gás na margem equatorial do Amapá. Enquanto isso, uma abordagem inovadora e regenerativa ganha destaque na Amazônia.

Uma estratégia de desenvolvimento baseada na biodiversidade e nas populações amazônicas não só impulsionaria a economia amapaense, como também contribuiria para os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU). Neste artigo, discuto como investimentos na sociobioeconomia podem beneficiar os 803 mil amapaenses, em especial os 502 mil cadastrados no estado como sendo de baixa renda, pobres ou extremamente pobres.

Desmatamento e uso da terra no Amapá

O Amapá tem o menor desmatamento acumulado entre os estados da Amazônia brasileira, representando 0,34% da perda florestal no bioma. De 1988 a 2024, foram desmatados 1.687 quilômetros quadrados, dos quais metade está em regeneração natural e a outra metade, cerca de 80 mil hectares, está em uso agrícola, industrial e urbano. Investimentos em restauração florestal, bioindústrias e infraestrutura sustentável aumentariam a produtividade dessa área.

Empregos e segurança alimentar com sistemas agroflorestais biodiversos

A restauração florestal com sistemas agroflorestais biodiversos é reconhecida como uma solução para gerar empregos e segurança alimentar. Estima-se a criação de mil empregos a cada 4.200 hectares restaurados. Assim, restaurar 80 mil hectares desmatados no Amapá poderia gerar cerca de 20 mil empregos. Os custos variam de US$ 4.000 a US$ 7.000 por hectare, totalizando de US$ 320 milhões a US$ 560 milhões para restaurar 80 mil hectares.

Sistemas agroflorestais biodiversos e extrativistas já provaram sua viabilidade financeira e contribuição à segurança alimentar em países tropicais e subtropicais, como Etiópia, Guatemala e Vietnã. No Amapá, destacam-se o manejo de castanha-do-pará, açaí, cupuaçu, mandioca e maracujá, além de espécies com alto potencial comercial, como andiroba, bacaba, buriti, cacau, copaíba, guaraná e tucumã. O manejo sustentável dessas espécies pode suprir populações carentes com carboidratos, gorduras e proteínas, gerando excedentes para a bioindustrialização.

Infraestrutura sustentável no Amapá: biofábricas modernas, energia renovável e outras

O Amapá carece de biofábricas para agregar valor à biodiversidade amazônica, onde mais de 80% de seus municípios não possuem infraestrutura industrial básica para essa finalidade.

Os custos e retornos das biofábricas ainda são pouco conhecidos. Um exemplo no estado do Amazonas que custou US$ 100 mil processa produtos de 300 famílias, com potencial de gerar US$ 200 mil ao ano com a venda de óleos vegetais. Desde 1987, a Camta (Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu) investiu US$ 60 milhões em bioindustrialização, emprega 170 pessoas e compra a produção de 1.800 agricultores no Pará. Sua biofábrica processa sementes de cacau, óleos vegetais, polpas de frutas, sorvete e chocolate.

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Para implantar 100 biofábricas modestas (US$ 100 mil cada) e uma superdiversificada (US$ 60 milhões) em cada um dos 17 municípios do Amapá, seriam necessários US$ 70 milhões por município. Isso significa que para transformar o Amapá em um polo tecnológico de valorização da biodiversidade amazônica, o custo total seria de US$ 1,2 bilhão. Um projeto de bioindustrialização em grande escala deve ser associado ao fortalecimento das cooperativas e associações locais.

Cada biofábrica modesta geraria, em média, quatro empregos permanentes, totalizando cerca de 7 mil postos de trabalho com a implantação de 1.700 unidades no Amapá. Já as 17 fábricas de maior porte, seguindo o modelo da Camta, que emprega 170 pessoas cada, criariam aproximadamente 3 mil empregos adicionais. Somando ambos os modelos, seriam 10 mil empregos diretos, com potencial para inserir os trabalhadores na classe média. Além disso, considerando o efeito multiplicador observado no Polo Industrial de Manaus, onde cada emprego direto gera cerca de cinco indiretos e induzidos, estima-se a criação de até 50 mil postos de trabalho adicionais.

Além de restauração florestal e biofábricas, é necessário investir na geração de energia renovável. Os avanços tecnológicos reduziram o custo dos painéis solares de US$ 79,67 por watt em 1977 para US$ 0,36 em 2014, impulsionando o crescimento do mercado fotovoltaico.

Outras formas de energia renovável, como a hidrocinética e o hidrogênio verde, têm sido demostradas como viáveis à região amazônica. Outras infraestruturas necessárias para aumentar a renda e a qualidade de vida dos amapaenses incluem transporte fluvial, telecomunicação moderna e telemedicina.

Investir em restauração florestal, bioindustrialização e infraestrutura sustentável tem o potencial de transformar o Amapá em um estado com predominância de trabalhadores de classe média. Esse modelo de desenvolvimento é uma alternativa melhor para um futuro próspero no Amapá do que a exploração de petróleo e gás. Manter os combustíveis fósseis enterrados é essencial para cumprir o Acordo de Paris, que exige reduzir as emissões em 50% até 2030 e alcançar emissões líquidas zero até 2050. Sem inovação, o Brasil desperdiçará o potencial de sua biodiversidade e da sociobioeconomia.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.