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UOL troca foto de ex-jogador imitando asiático; o que é racismo recreativo?

Olho de uma mulher descendente de asiático - Getty Images
Olho de uma mulher descendente de asiático Imagem: Getty Images

26/10/2022 04h00

Tão importante quanto evitar comportamentos preconceituosos é reconhecer quando se replica alguma atitude que ofenda alguém por causa de seu gênero, raça, cor, origem social ou regional.

Foi isso que fez a redação de Esporte ao notar que um texto era ilustrado pela foto problemática de Perdigão, ex-volante do Internacional campeão da Libertadores e o Mundial de Clubes em 2006. A imagem mostrava o jogador puxando o canto dos olhos para imitar asiáticos. O problema é que gestos como esse são caracterizados por estudiosos como microagressões típicas do racismo recreativo. Por isso, a foto foi retirada e substituída por uma que mostrava o atleta durante uma partida.

Professor e doutor em direito pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Adilson Moreira explica que "microagressões são padrões de comportamento, produções culturais e mensagens não suficientemente graves para serem classificados como discriminação passível de gerar processo judicial, mas que expressam condescendência, desprezo e ódio por minorias raciais".

Finalista do Prêmio Jabuti, o mais tradicional do país, com o ensaio jurídico "Pensando como um negro", o professor exemplificou o que são microagressões durante entrevista a Ecoa em abril de 2021:

Um tipo de microagressão comum no Brasil é homens próximos a um descendente de asiático perguntarem se alguém topa 'comer um japinha' no jantar e todos caírem na gargalhada. As pessoas acham que estão sendo engraçadas, que não há racismo ali porque convivem com colegas de ascendência asiática. Mas, para a pessoa que ouve, é falta de respeito com sua identidade étnico-racial e sexual."
Adilson Moreira, jurista

bolson - Reprodução - Reprodução
Durante live nas redes sociais, presidente Jair Bolsonaro emula olhos de asiáticos. Ao lado do deputado Hélio Negão, ele diz que basta puxar as pálpebras para ninguém achar na multidão o parlamentar, que é negro e estava de partida para a China
Imagem: Reprodução

Essas ofensas travestidas de piada atingem também outras minorias, como pessoas negras, da comunidade LGBTQIA+, mulheres e de outras regiões. Elas são a manifestação do chamado racismo recreativo.

Este conceito foi cunhado por Moreira no livro "Racismo Recreativo", de 2018 (coleção Feminismos Plurais, da Editora Jandaíra, ex-Pólen) e vem sendo usado para embasar outras pesquisas acadêmicas.

No livro, reeditado em 2019, Moreira analisa cerca de 150 sentenças do Judiciário brasileiro. Nelas, acusados e condenados de racismo argumentam que seus atos não poderiam ser vistos como crime, mas, sim, piadas, brincadeiras ou comentários que usavam de "humor".

"Racismo recreativo é uma política cultural que referenda por meio do humor a ideia de que negros [e outras populações] não são atores sociais competentes. Isso permite que pessoas brancas hostilizem minorias sociais sem perder uma imagem social positiva", explica Moreira.

Por muito tempo, o racismo foi pensado como um comportamento individual baseado na compreensão inadequada do outro: após uma experiência negativa com uma pessoa judia, negra e asiática, o indivíduo pressupõe que todas têm o mesmo defeito e generaliza para o grupo. Durante muito tempo, estudiosos pensavam que o racismo era um problema de natureza cognitiva. Mas isso tem mudado. Branco e negros têm posições distintas na estrutura de poder, e o racismo recreativo é uma estratégia para legitimar essas relações hierárquicas"
Adilson Moreira