Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A separação de lixo na Alemanha como inspiração para a Favela
É possível agregar um ambiente de pobreza e dificuldade com a separação do lixo, com uma consciência ambiental? Na coluna #DaQuebradaProMundo dessa semana, a Favela da Torre se mistura com Berlim para criar uma ponte por um futuro sustentável.
Quando era moleque na minha quebrada, a gente viveu pelo menos uns 10 anos sem CEP. Isso aconteceu porque eu cresci em uma viela em um terreno de usucapião, viela estreita no topo do morro, bem difícil de ser alcançada e documentada. Se a gente não tinha nem CEP, como você imagina que lidamos com a separação do lixo? Sendo levemente eufemista eu diria: de maneira precária.
Por estar vivendo na Alemanha por uma bolsa de estudos, eu tive a oportunidade de entender um pouco da cultura alemã e também de, obrigatoriamente, seguir as regras de separação do lixo e colher dessa separação alguns aprendizados.
Quando eu olho para o meu passado enxergo que o desafio inicial da minha comunidade foi a definição de um local para descartar o lixo. Por morarmos em uma viela inacessível a primeira pergunta era: onde vamos deixar o lixo? Na esquina da direita ou na esquina da esquerda? A cada semana a caçamba era trocada de local e até mesmo o lixo comum ficava difícil de ser retirado. Esse é só um pequeno exemplo individual, mas que retrata a dificuldade de diversas famílias em nosso país na busca por sustentabilidade.
É exatamente por essa distância estratégica do nosso povo de políticas públicas de qualidade que somente do outro lado do planeta eu tive a oportunidade de separar o lixo.
A cultura como eco de uma política pública
Reciclar o lixo na Alemanha é lei. O descarte de resíduos foi regulamentado em todo o país na década de 70, mas as primeiras leis surgiram já no século 19. E por conta dessa lei as pessoas começaram a ficar responsáveis pela separação do lixo na Alemanha. Os materiais são separados ainda em casa em quatro principais divisões, e depois descartados em caçambas coletivas. Existe a caçamba amarela para o plástico, a azul para os papéis, a preta para os não recicláveis, e a marrom para o lixo orgânico.
Por conta de anúncios na televisão, de materiais de conscientização e de décadas de um fortalecimento de uma ideia foi que as pessoas se tornaram não somente participantes de uma cultura, mas também pelo sucesso responsáveis. As crianças são ensinadas a separar o lixo ainda na escola, ações públicas de coleta e separação do lixo são feitas uma vez por mês e, para aqueles que mesmo assim não colaboram com o sistema, existe uma multa de até 100 euros para quem faz separação errada. O que atualmente equivale a 624 reais.
Ao chegar aqui eu ouvi de muitos brasileiros e de amigos estrangeiros que "o alemão é mais limpo", entretanto eu discordo. Em muitos dos casos, na verdade, vi que os traços culturais que carrego comigo me fazem ser uma pessoa muito mais organizada e limpa nos aspectos sanitários da vida do que diversos alemães. O pulo do gato foi quando eu pude perceber que, na verdade, o que faltou na minha quebrada é o que sobra na vida do alemão: uma consciência coletiva fortalecida por uma política pública de qualidade.
Tenha fé porque até no lixão nasce flor
A ideia é uma só: para que o nosso povo da periferia possa focar as energias na separação na reciclagem dos resíduos, a gente vai precisar de políticas públicas de qualidade. Vamos precisar que façam caçambas coletarem nossos resíduos e que depois façam eles chegarem devidamente nos aterros e nos galpões de separação especificados.
Eu não quero finalizar esse texto fazendo uma análise ingênua comparando as duas distintas realidades, mas também apontar por iniciativas incríveis que vêm sendo feitas nas favelas e quebradas e, no lugar de um estado ausente, se fazem presentes e trazem consciência e impacto econômico para os moradores das periferias.
Por exemplo, não podemos esquecer do trabalho importantíssimo que os catadores e catadoras do nosso país fazem diariamente por nossas ruas. E em segundo, gostaria de apresentar o trabalho de Leandro Abrantes, que faz uma revolução - também financeira - através da reciclagem.
É como diz a letra dos Racionais Mc's. "Tenha fé porque até no lixão nasce flor", e se depender de nós, nascerão muitas mais, porque o que é lixo orgânico estará no lugar certo e o nosso solo será adubado.
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