Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Você fala brasileiro?
Quando o assunto é comunicação e linguagem, uma das frases mais marcantes da quebrada onde eu cresci era a seguinte: "eu não falo nem português direito, vou aprender a falar inglês como?". Com essa ideia fincada na minha mente, aqui do outro lado do planeta, na Alemanha, é que eu descobri que a gente sempre falou nosso idioma direito, sim. Só chamávamos pelo nome errado. Nessa coluna #DaQuebradaProMundo eu quero te explicar o porquê.
O português brasileiro (abreviado como pt-BR) é o termo utilizado para classificar a variedade da língua portuguesa falada pelos mais de 200 milhões de brasileiros que vivem dentro e fora do Brasil. O curioso é que somente depois de morar aqui na Alemanha é que eu me deparei com uma questão nova - e bem frequente: "você fala brasileiro?".
No começo eu não sabia muito bem se as pessoas estavam de brincadeira ou se a ignorância era tão grande com relação ao nosso país. Eu pensava "nós falamos Português, quem é que não sabe disso?". Até que alguns dias atrás eu vi esse meme aqui e minhas ideias mudaram.
O que antes me irritava passou a se tornar uma reparação histórica, eu diria. A língua dos colonizadores sendo invertida e virando uma propriedade intelectual da antiga colônia, certo?
Antes da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, havia variadas línguas no território que coincide com o nosso atual país, faladas por indígenas sul-americanos de diversas etnias. No decorrer da nossa história, o português brasileiro incorporou empréstimos de termos indígenas, como do tupi, mas também de línguas africanas, sobretudo do quicongo, quimbundo e umbundo. E são essas características que fazem o nosso idioma ser tão único, ter essa bagagem cultural tão gigante e mundialmente reconhecida, amada.
Foi depois de fazer essa reflexão - a reflexão de que nossa língua é mesmo o "brasileiro" - que eu tive acesso aos saberes de Lélia Gonzales, uma das maiores intelectuais brasileiras, que criou o seguinte termo: "pretoguês". O conceito cunhado por Lélia Gonzalez nada mais é do que a marca de africanização no português falado no Brasil e que aponta para um aspecto pouco explorado da influência negra na formação histórico-cultural do nosso continente como um todo.
De acordo com Lélia, o português falado no Brasil seria muito melhor identificado com suas raízes se o nomeássemos como pretoguês. Ela criou esse conceito para dar conta deste fenômeno com características bastante peculiares que é a língua portuguesa falada em território brasileiro, fruto do encontro de diferentes culturas que aqui estavam ou para cá migraram.
Lélia, que muito se dedicou a este estudo, identificava a força da herança linguística das línguas africanas no português falado no território brasileiro, especialmente no que se refere à oralidade, e costumava dizer "gosto de fazer um trocadilho, afirmando que o português, o lusitano, 'não fala e nem diz bunda' (do verbo desbundar)." (GONZALEZ, Lélia, 1988, p.70).
Hoje em dia, se me perguntam se eu falo brasileiro, eu digo que sim. E digo ainda mais, digo que falo brasileiro pretoguês. E reconheço que no passado o meu "português errado" era na verdade um idioma do não-pertencimento. Noiz sempre tivemos um lugar da nossa verdade, e a nossa verdade é pretoguês.
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