Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O Brasil de M8 e João Luiz
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Entre tantos livros e filmes que estavam na lista para dar "check" no papel daquilo que deveria ler e ver, assisti, em um dos poucos momentos de calmaria do feriado de Páscoa e já com certo atraso, ao filme "M8 - Quando a morte socorre a vida", lançado em dezembro passado e agora disponível em plataformas de streaming, como a Netflix.
Tendo levado o prêmio de melhor filme de ficção no Festival do Rio por voto popular em 2019, o longa aborda o racismo ascendente nas universidades após a aprovação das cotas, mas vai muito mais além: discorre sobre as formas de violência e nuances presentes nas coisas mais comezinhas do dia a dia, e que acometem a maior parcela da população brasileira, sendo esta 56% do país: a negra.
A direção de Jeferson De produzida por Iafa Britz é baseada no livro homônimo do autor Salomão Polakiewicz, e conta a história de Maurício, vivido por Juan Paiva. No enredo, o ator é um jovem negro e periférico que ingressa na faculdade de medicina por meio de cotas. Ali, depara-se com o pior que temos: o preconceito. Ao fazer uma incisão em um dos corpos disponíveis para estudo, escuta do colega, branco e de classe média: ''Já pode trabalhar no açougue'', pelo corte cirúrgico que faz.
A cena é só um espécime do que se sente na pele. É a ''piada'' que não é piada, o "mimimi" que tem impacto para uma vida inteira por conta da desigualdade racial e social entranhada neste país desde seu forjado "descobrimento". Dores que atravessam trajetórias, feridas que demoram a cicatrizar - ou nem fecham. E que não trabalhadas com apoio e carinho, destroem sonhos, possibilidades, quereres de se furar a bolha e os dados negativos atribuídos para quem é, além de preto (a), periférico, nordestino ou LGBTQIA+.
Com a inserção de pessoas com estas características contando suas próprias histórias e detendo as rédeas de suas narrativas, é possível dar visibilidades a essas chagas - ainda que com muita tristeza. É tendo, por exemplo, participantes como o professor de geografia João Luiz no Big Brother Brasil, e sendo ele, infelizmente, alvo de um comentário sobre seu cabelo, que podemos analisar e constatar o quanto negligenciamos as experiências vividas por esses indivíduos. O quanto se fere e maltrata seus corpos e pensamentos, criminalizando ou ridicularizando.
E quando aponta-se o erro, vemos o rei nu. Ninguém é racista, afinal de contas, "tem até amigo preto". "Não, eu não sou homofóbico, conheço até um gay". "Contra nordestino? Eu? Tenho até uma tia que nasceu na Bahia, lá pela Paraíba" e assim por diante. Tentativas de justificar o injustificável.
Enquanto sociedade, precisamos tornar esses seres humanos, e de direitos. À dignidade durante a vida e também na morte, como aponta o filme. Que no reality da vida, estejam presentes os avanços, as alegrias, e não a exposição de dores que nos custam caro. Para poder ligar a TV feliz e sair do cinema encantado, sem que sinta-se um peso, uma falta de ar, um sei lá o quê que mexe e não sai da garganta. Por talvez entender que há alguém, nesse minuto, sendo a pessoa em questão do que se vê ou escreve, registrada em números durante o jornal.
Para que o país do M8 e de João Luiz - e tantos outros - seja melhor.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.