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Eduardo Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Barba, Cabelo & Bigode': novo filme da Netflix empreteceu os bastidores

Lucas Penteado em Barba, Cabelo e Bigode - Divulgação/Vantoen Pereira Jr/Netflix
Lucas Penteado em Barba, Cabelo e Bigode Imagem: Divulgação/Vantoen Pereira Jr/Netflix

colunista do UOL

27/07/2022 06h00

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Não dá pra dizer que não tenha mudado, ou que se está em transformação, a transição de negros, indígenas e pessoas LGBTQUIAP+ diante do que se via quando ligava na TV e, mais recentemente, no botão de "play" do streaming. E não só: como estavam/estão representadas suas histórias.

Mas essa transformação, por si só, não basta. Do que se vê na tela, fugir a exceção, modificando as caras do capital humano que dá força às equipes de criação e produção audiovisual nacional. Por exemplo: em 2016, só 2,5% dos diretores e roteiristas brasileiros eram negros, segundo uma pesquisa da Agência Nacional do Cinema, a Ancine.

Apreendendo essa disparidade, o audiovisual evoluiu nos últimos anos (apesar dos soluços da parada pandêmica), captando pra si o que era demanda e hoje, valor que agrega e gera identificação, além de formar. Não à toa, estreia nesta quinta (28), um novo produto que confere o que se caminhou destes tempos.

Brasileiro, "Barba, Cabelo & Bigode" é a aposta de comédia da Netflix. No longa, Richardsson termina a escola e entra naquela fase de: "o que que eu faço da minha vida, meu cria?". Embora tenha planos de entrar na faculdade, o que ele quer mesmo é cortar cabelos no Saigon, o salão de beleza da sua mãe, Cristina (Solange Couto), no bairro carioca da Penha. E para por aqui pra não dar tantos #spoilers.

Estrelado por Lucas Koka Penteado e Solange Couto, que no filme interpretam filho e mãe, a mais profunda representação de uma família suburbana. E com suas peculiaridades e grandiosidades, cresce pra frente e para os lados. O time (de peso) é composto por Juliana Alves, Rebecca, MV Bill, MC Carol, Yuri Marçal, Jeniffer Dias, Sérgio Loroza, Neuza Borges, Luana Xavier, Xando Graça, Nando Cunha, Bruno Jablonski e Leandro Santanna.

Em maioria, negros em destaque frente às câmeras e sendo o dedo que a ligou também tem a cor retinta, como uma ampliação de oportunidade e retenção do PIP (o Produto Interno Preto), a constituir quem está em toda a concepção. O valor preenche os olhos, sendo um percentual de 85% dos envolvidos.

''Eu tenho plena consciência de que eu sou parte de uma luta que é histórica, que é antiga, uma pauta que debatemos há tempos. Temos o Zózimo Bulbul, Joel Zito [Araújo], a própria Chica Xavier, que sempre clamou por um set mais diversos, plural, que respeitasse o que é o povo brasileiro em relação ao seu percentual'', pontua o diretor, Rodrigo França, ao apresentar seu primeiro longa.

Em momento que se marca um feito histórico, França reflete sobre o cenário da realização da obra, que ganha espaço na extensão da tradicional tela do cinema. ''Em Barba, a gente consegue cumprir o Brasil num percentual dentro do set, de pensar diversidade racial, de gênero, e isso quem ganha é o audiovisual por inteiro, a sociedade brasileira. É o espectador que vai contemplar uma obra, porque quem cria faz parte de tal cultura exposta. Avançou, não dá pra fazer falsa simetria, mas ao mesmo tempo, temos que festejar essa vitória''.

Enquanto responsável pelo filme, Rodrigo confere valor de importância a troca genuína feita entre toda a equipe, em que cada par trouxe de sua experiência particular de vida e profissão. Não poderia ser diferente, já que antes de estar em situação de diretor, ele chega aos 30 anos de carreira empenhando os crachás de ator e dramaturgo.

''Foram muitos ganhos, a ratificação de uma maturidade. Imagina: você está ali, sendo um guia, para centenas de profissionais. Entender que lugar é esse, o da liderança, e uma liderança respeitosa, de muita escuta, com posicionamento a partir do respeito. O caminho é possível como alguém que produz, a partir de um cenário de dignidade''.

Estabelecendo confiança e acolhimento. Para ele, o ponto de partida dessa dinâmica se deu desde o convite feito pela produtora (A Fábrica), até cada participante. ''Ali tinha um profissional sério, com bagagem, querendo fazer o melhor. Se eu pudesse reduzir em uma palavra a convivência, seria uma: cumplicidade''.

E é nesta toada em que se pauta a inserção de atores dentro e cada vez mais por trás das câmeras, realizando o que se vê na tela, que "Barba, Cabelo & Bigode" figura como um dos mais novos exemplos e concretizações de que é possível contar outras histórias, ampliando as chances de peças já existentes no setor - com ainda mais comprometimento de se mudar estruturalmente o panorama. Já estou sentado na cadeira do salão pronto pra ver tudo isso (ainda mais) acontecer.

"Barba" tem codireção de Letícia Prisco, e assinam o roteiro Anderson França, Marcelo Andrade e Silvio Guindane.