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Eduardo Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Alguém me ajuda?': Sofri de crise renal no Rock in Rio e fui negligenciado

Detalhe do Palco Mundo do Rock in Rio 2022 - Webert Belicio e Victor Chapetta / Agnews
Detalhe do Palco Mundo do Rock in Rio 2022 Imagem: Webert Belicio e Victor Chapetta / Agnews

Colunista do UOL

06/09/2022 15h34

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''Todos numa direção, uma só voz, uma canção''. Foi assim que tomei o rumo junto de Luísa Marzullo para aproveitar o segundo dia do festival Rock In Rio, no último sábado (3). Da minha última vez lá, três anos. A expectativa estava nas alturas para fazer daquele dia um reencontro feliz com a Cidade do Rock, junto de amigos e quem mais aparecesse na frente. Mal saberia eu que ''o céu de estrelas'' se daria não pela presença dos grandes artistas, mas pela sensação, na cabeça, de não saber reagir sob as dores que senti durante o evento.

Tenho pólipos nos rins, o que ocasiona crises renais periódicas. Para você que me acompanha, já deve ter sabido, de alguma forma, sobre o tratamento aqui em Ecoa. Por conta dessa questão de saúde, há a possibilidade de que, a qualquer momento, possa sentir dores, sem prever onde ou com quem estou. Naquele momento, era ao lado de Luísa.

Enquanto o Marshmallow, terceira atração do Palco Mundo comandava as carrapetas, tinha como auxílio as mãos de Pedro e Edu (um xará doce), sendo os dois afetuosos e carinhosos, na tentativa de diminuir o desconforto em meio ao grande público em torno.

Mas não bastava. Em sinal de agravamento, as dores não cessavam. Na condução de Luísa, fiel parceira que estende a mão, resolvemos ir embora, mas já no caminho tinha dificuldade para andar.

''Alguém me ajuda?'', ela falava, tentando captar quem aparecesse pra locomoção não só sua, mas de um homem que, ao lado dela, tem 1,86 de altura, 85 kg.

Tentamos (mais ela do que eu, já sem forças) pedir ajuda aos profissionais de informação, e todos indicavam o posto médico como melhor local para receber auxílio. Lá, fui atendido e recebi três injeções: 10 miligramas de Buscopan e Dipirona e 100, de Tramal.

''Olha, Eduardo, a gente vai te dar essa medicação e logo melhora. Se não, procura uma emergência'', me disse um enfermeiro. Do lado de fora, agoniada e sem informação, Luísa seguia e contou: do tempo ali, nem 15 minutos.

Saindo do ambiente, até mesmo encontrar uma saída possível, o que se viu foi uma grande saga para deixar o Parque Olímpico. A situação ainda estava menos desconfortável por estar na área vip, o que me trazia o benefício de um transporte ''mais rápido''. Mas nem isso ajudou, já que as vias da região estavam fechadas para circulação de carros (somente moradores e autorizados).

No local de embarque e desembarque, entramos em um táxi rumo ao hospital onde sou normalmente supervisionado. No trajeto, Luísa me viu ficar trêmulo e inconsciente.

"Neste momento, não sabia que o Edu estava sob efeito do remédio. Sacodia ele em desespero. Foram os piores momentos da minha vida, com medo de não conseguir chegar ao hospital", rememora Luísa.

Sob atendimento, mais de uma hora depois, quando enfim chegamos à unidade de saúde, a médica da emergência nos disse que eu não poderia ter sido medicado daquela forma, e logo liberado antes de uma análise clínica mais duradoura. A tremedeira e o estado de inconsciência foram, na verdade, causados por efeito do remédio mal administrado.

O fim da via crucis se deu só na manhã seguinte, após horas em observação. Com um cateter e rim dilatado, os motivos da dor ser tamanha, extremada pelo desamparo médico.

Para mim e Luísa, a indicação não só da falta de assistência e não por ser eu, e, sim, pela possibilidade de acontecer com qualquer pessoa. Na real, mais de 100 mil pessoas, segundo os números da organização. Com o acontecido, a ideia de que, se fosse algo mais grave, poderia não ter conseguido chegar ao hospital.

Ali, mesmo que tentássemos fazer com que o mundo fosse ''nosso de vez'', não ia rolar. Nas lembranças minhas e de Luísa, além de quem acompanhou o périplo, a Cidade do Rock, símbolo de alegria, se transformou na ''Cidade da Dor''. A vida tinha começado pra todos naquela folia, menos pra nós.

Das respostas que conseguimos, só uma. A Porto Saúde, responsável pelo Posto Médico, disse ''o atendimento realizado no posto médico do festival seguiu todos os protocolos previstos para este tipo de situação. O paciente procurou atendimento, foi devidamente atendido por um médico e liberado após relatar melhora".

Reflito sobre a presença de todos nesses espaços, sobretudos negros. Reflito também sobre o que se torna responsabilidade do festival, ou mesmo repasse de. Jogo pra frente o pensamento, que começa em mim, mas poderia ter sido com qualquer pessoa.

''Woo, woo, woo, Rock in Rio''.