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Eduardo Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Terroristas no DF: Polícia não confunde madeira com fuzil se você é branco

Bolsonaristas invadiram três prédios: Palácio do Planalto, Congresso e Congresso Nacional - Reuters
Bolsonaristas invadiram três prédios: Palácio do Planalto, Congresso e Congresso Nacional Imagem: Reuters

Edu Carvalho

Colunista do UOL

09/01/2023 10h50

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Negro e para sempre marcado sob a ótica de quem morou na favela (por longos 24 anos), vivi um mix de sentimentos ao ver o que não acontecia na tarde do último domingo (8), em Brasília: a omissão de agentes de seguranças junto aos terroristas que atacaram não só o novo governo do presidente Lula (PT), mas a democracia como um todo.

Não consigo dizer se o que passei era raiva, ódio, aflição, pânico ou um desejo de vingança. Não sei nem se conseguiria descrever ao certo tudo que passava pela cabeça, a não ser as incontáveis violações que acumulei ao ouvir relatos de moradores espalhados pelas favelas — pessoas que sabem muito bem que qualquer, eu repito, QUALQUER AÇÃO delas pode ser considerada como perigo.

Seja na rampa do Palácio do Planalto, no teto do Congresso Nacional ou nos gramados, nenhum tiro foi dado. Quase não havia gases de pimenta, muito menos chutes, pisões na cara.

Não houve violações de direitos humanos, mandados de apreensão, cacetetes nas costas, casas reviradas, "bala perdida".

Parte dos agentes policiais parecia apática, muitos foram flagrados tirando fotos e escoltando os vândalos — uma ala quase totalmente branca. E racista. E preconceituosa. E raivosa.

Cena bem diferente da que se vê quando a mesma força do Estado sobe o morro.

Na memória, as ações passadas do Estado quando algo saia "da ordem". No corpo e na mente, vivem as lembranças de amigos e parceiros que viram cenas absurdas de violência policial contra negros e pobres da Maré (2014) e Rocinha (2017), além de todo o Rio de Janeiro no ano de 2018, com a ação de intervenção federal pelo Exército na busca de '"segurança".

Nas ocasiões, tanques, blindados, espaço aéreo fechado, monitoramento em tática de guerra. Nada do que aconteceu ontem chegou perto. Nenhum terrorista branco sequer chegou perto de sofrer o que moradores de favelas sentem quando o Estado decide agir.

"Na favela, um jovem preto é morto por ter a porra de um guarda-chuva, furadeira ou até mesmo um pedaço de madeira 'confundido' com um fuzil", publicou Rene Silva, fundador do Voz das Comunidades.

"Se fosse professor pedindo condição digna de trabalho, ou indígenas reivindicando o direito de ficar vivo nas próprias terras, a gente veria a truculência comum de se ver por aqui, como é um bando de verme fascista os polícia tão lá de risadinha e tirando selfie. Nojento demais", versou num tuíte o cantor e escritor Emicida.

Recentemente, a polícia "confundiu" um pedaço de madeira com fuzil e matou o catador de recicláveis Dierson Gomes da Silva, na Cidade de Deus (RJ). Mesma atuação não foi vista ontem quando o bando de terroristas invadiu os três poderes e quebraram tudo, absolutamente tudo. A polícia não "confundiu" os vândalos brancos com bandidos nem quando um policial foi derrubado de seu cavalo a pauladas ontem.

É preciso urgentemente enxergar tudo sob a perspectiva racial e de classe. Perceber que o tratamento dado a terroristas bolsonaristas brancos, não é nem de longe o mesmo que trabalhadores e trabalhadoras recebem no dia a dia pelas favelas do Brasil.

O Brasil não é para iniciante.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL