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Eduardo Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

BBB com racistas: Por que racismo contra Fred não é tratado como crime?

Fred Nicácio - Reprodução/Globoplay
Fred Nicácio Imagem: Reprodução/Globoplay

Edu Carvalho

Colunista do UOL

22/03/2023 13h58

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Se você é preto ou preta, assim como eu, talvez tenha sentido o mesmo ontem, ao ligar a TV e ver — ou melhor, ver de novo — integrantes do Big Brother Brasil 23 reunidos na repescagem. Mas não, não era a reunião de qualquer um na chamada "casa do reencontro".

De um lado, Fred Nicácio. Do outro, Key Alves, Gustavo e Christian, ambos envolvidos em um dos momentos mais tristes da edição, um episódio de racismo religioso que movimentou o debate nas redes e também fora delas.

Para quem sente na pele e traz no corpo as guias de proteção de sua fé, o desconforto ao temer o ataque do outro, a sensação de alguém que queria estar ali, mas não na presença de seus algozes.

Era (e é) nítido o olhar de tristeza, a pouca vontade de comemorar algo que seria "o sonho" de voltar à casa, refletidos no semblante de Fred. Não à toa, na manhã desta quarta-feira (22), ele tornou visível o o sentimento palavra sobre estar, frente à frente, com aqueles que o discriminaram pelo teor religioso.

"É muito triste. Muito doloroso estar no mesmo ambiente que os meus agressores. E eles estarem rindo como se não tivesse acontecido nada demais. É a certeza da impunidade da branquitude".

E não parou:

"É desrespeitoso comigo. É quase que pra além do meu limite. É muito agressivo, e as pessoas estão rindo como se nada tivesse acontecido, como se fosse tudo flores. Pra eles basta um pedido de desculpas que tá tudo bem e não está".

Para seu ombro, uma irmã. Tina, reconfortando e entendendo a dimensão de sentimentos de só quem já viveu algo parecido sabe. E mesmo assim, não consegue mensurar o que é ser alvo pelo tom da pele, a religião que professa, a classe social. E ter que se refazer, na dinâmica externa que pede resiliência, mas que na real, deveria ser justiça. Nada além do que justiça.

Uma justiça que ainda que tardia, não deve falhar, já que uma ação elaborada pelo Instituto De Defesa Dos Direitos Das Religiões Afrobrasileiras (Idafro) fez à ação Rede Globo, no final de fevereiro, quando o programa chegou a abordar a prática de intolerância cometida por Key, Cristian e Gustavo, e que, na ocasião, diziam-se "amedrontados" com as práticas de fé do doutor.

Na semana passada, o programa foi palco de cenas de importunação sexual contra uma convidada estrangeira. Houve gritaria do público, que, com toda razão, pediu a expulsão. A polícia averiguou as cenas. Os patrocinadores agiram e endossaram o coro, levando a emissora à decisão.

Cabe a lembrança — um dia após a comemoração do Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, e também do Dia Internacional contra Discriminação Racial — que racismo e sua variante, o religioso, são crimes. E como crimes, devem ser julgados como tal.

Não podemos aceitar que a dor seja algo passível de espelho negativo para milhões de pessoas (em sua maioria, negras. E muitas delas, professando sua fé nas religiões africanas). E que como Fred e também eu, somos alvos, a torto e a direito, da negação e do questionamento. Vítimas da liberdade de tornar público o seu axé.

Racismo não é prova de resistência, contínua e ampliada pelas lentes, reforçando ainda mais estereótipos.
É crime, machuca e dói.

Dói em Fred. Dói em mim. E eu não sei se dói em você, mas se professa a sua liberdade religiosa de maneira respeitosa, deveria doer também.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL