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Eduardo Carvalho

REPORTAGEM

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'Criar faz valer a pena a minha existência', diz artista plástico do DF

Kordial GDF - Reprodução/Instagram
Kordial GDF Imagem: Reprodução/Instagram

Edu Carvalho

30/03/2023 06h00

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Criar possibilidades por meio da arte, sendo mais uma ponta que conecta população e território. E, assim, construir e validar a ideia de que a cidade precisa estar integrada, sendo apreendida por quem a vive.

E por que não fazer isso pela forma artística — capaz de colorir muros, chãos, mudar a cara de uma rua, um bairro, ocasionando mudanças que ampliam a autoestima local —?

É dessa forma que Kordial, artista plástico cria de Ceilândia, Distrito Federal, capta a vida que corre a sua frente, transmitindo pelo barulho de seus sprays e tons de tintas, novas formas de se relacionar com a cidade, símbolo nacional do que há de mais belo sobre o concreto.

Kordial fez disso sua missão de vida. Salvo pela arte, ganha visibilidade ao tocar em temas importantes para a teia pública, proporcionando um contato mais direto com as artes, em que usa telas mais acessíveis, como uma parede de ponto de ônibus, por exemplo.

''Temos a honra de dar continuidade decorando a cidade com a cultura que nós mesmos geramos. Aí sim o projeto de Brasília estaria concluído com harmonia''.

Leia abaixo a entrevista feita com Kordial:

Edu Carvalho: O que é ser 'Kordial' hoje?

Kordial: É carregar um legado cultural. Nasceu para trazer a existência os sonhos artísticos do menino Douglas, de onze anos. Hoje, aos 41 anos, o Kordial ocupou o território do Distrito Federal com inúmeras obras ostentando beleza por meio das artes visuais. Meu dever é agregar cultura a toda população por meio da arte urbana, com uma única mensagem, um olhar para a natureza.

Carrego o nome GDF até hoje não como gangue, mas como um símbolo cultural que apesar de trazer transtornos à população e governantes também gerou muitos outros artistas como Primo, Galoxa (já falecido), Cupido, entre outros.

Edu Carvalho: Brasília é uma cidade repleta de monumentos artísticos — muitos deles de concreto. Como captar esses espaços e ressignificar para quem vive na região?

Kordial: Captar espaços para criar arte em Brasília é exatamente difícil e burocrático. Por isso procuro criar parcerias com empresas e órgãos particulares para gerar cultura e beleza em nossa cidade.

Edu Carvalho: Você é 'cria' de Ceilândia. Como esse lugar ganha os contornos do seu graffite?

Kordial: Ser cria da Ceilândia é aprender a transformar um pedaço de tábua e um role-mão em um brinquedo. Cria da Ceilândia é uma flor no lixão. O professor que capacita a periferia não está em sala de aula, mas sim no sonho de ser significante para sua família e cidadãos.

Criar arte fez valer a pena a minha existência.

As cores que banham a ouro os traços da minha imaginação são como notas musicais que de acordo a sequência geram uma harmonia dançante, romântica e sentimentos que só o subconsciente individual pode desvendar e reagir.

Edu Carvalho: Por meio das cores é possível tratar de assuntos mais urgentes? A Flaip, por exemplo, é uma 'musa' pela natureza...Como ampliar o debate das questões que atravessam o território com leveza?

Kordial: A Flaip é a mais próxima revelação das emoções que sinto a respeito da vida, a mãe que dá a luz, amamenta e zela com a fúria da natura, a beleza e valores da mulher que se perpetua desde o início da vida, no mais alto valor responsável pela vida do nosso planeta: a Natureza. Por isso a Flaip traz inspirações para um legado com a humanidade.

Eduardo Carvalho: Como mobilizar ainda mais jovens para pintarem além da rua P Sul, quiçá o mundo?

Kordial: O setor PSul da Ceilândia foi um dos bairros que mais gerou pixadores e grafiteiros. Por isso em minha assinatura vem a sigla 'GDF', onde muitos pensam que significa 'Governo do DF', mas é exatamente o oposto. Significa 'Grafiteiros do DF', a maior e pioneira gangue de pixadores do distrito federal, fundada em 1989. Mesmo Brasília tendo ipês e cerrado como símbolos da fauna, não deixa de ter o concreto cinza como monumentos históricos.

Juscelino Kubitschek e Oscar Niemeyer criaram um cenário neutro e nos cabe interagir com a expressão da nossa essência e continuar a harmonização.

Muitos dizem que JK e Niemeyer falharam em deixar a capital 'sem vida', formada por concreto e aço. Em minha visão de artista, compreendo que não arquitetaram só uma cidade. Brasília foi arquitetada para ser um plano onde nós, população, temos a honra de dar continuidade decorando a cidade com a cultura que nós mesmos geramos. Aí sim o projeto de Brasília estaria concluído com harmonia.

Eu gostaria muito de incentivar as pessoas a se expressarem artisticamente. Mas o máximo que as pessoas podem fazer é serem exemplo e dividir conhecimentos adquiridos por experiência. A arte, por si própria, é portadora dessa dádiva de transbordar os sentimentos das pessoas a produzir suas expressões.