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Eduardo Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Maconha medicinal nas favelas: Moradores usam para ter melhora na saúde

Chá de maconha medicinal - Carine Wallauer/UOL
Chá de maconha medicinal Imagem: Carine Wallauer/UOL

Edu Carvalho

29/06/2023 06h00

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Na última segunda-feira (26), a iniciativa ''Movimentos'', um grupo de jovens espalhados por diversas favelas do Rio de Janeiro, empenhados no debate de uma nova política de drogas, lançou seu mais novo relatório ''Plantando saúde e reparação: o uso terapêutico da maconha nas favelas do Rio de Janeiro''.

O panorama do estudo, realizado em dezembro de 2022 com moradores de três comunidades cariocas - Cidade de Deus e os Conjuntos da Maré e do Alemão -, ajuda a identificar o perfil de quem faz o uso terapêutico da maconha e aqueles que desejam acessar os benefícios da substância.

Com dados que dão rosto a esses usuários (73,3% dos ouvidos se declaram negros, e as mulheres são mais da metade); o estudo aponta suas principais questões na saúde e os motivos que o levam a usar a maconha em seus tratamentos (para 52% dos ouvidos, a principal motivação de saúde tratada com o uso terapêutico da maconha nas favelas é o espectro autista; epilepsia (12,39%), sintomas de ansiedade (12,39%), sintomas de depressão (7%) e dores (5%); as formas de uso e a via crucis que estes moradores, relegados historicamente às políticas públicas, sofrem ao percorrer o caminho para conseguir muitas vezes o mínimo pelo Estado.

Diferente daqueles que têm aporte financeiro - e que ainda assim também enfrentam problemas na liberação do uso medicinal da cannabis - a vitória só é possível pela presença de associações e ONGs territoriais, que asseguram para 32% dos participantes a substância.

São dados que apontam um só caminho: o debate sobre drogas é uma ação de saúde pública, que precisa ser efetivamente sentida por quem precisa. Para entender melhor sobre, a coluna conversou com a cientista social e pesquisadora da Movimentos, Paula Napolião.

Edu Carvalho: Sob o aspecto da característica religiosa, vocês veem que o percentual de católicos (23,81%) e evangélicos (27,62%) usuários, ainda que se tenha certo moralismo pela profissão de fé, seja uma questão mais ampla de acesso à informação e necessidade?

Paula Napolião: O uso terapêutico da maconha se popularizou muito nas favelas nos últimos anos. O aumento no número de matérias em jornais, revistas e documentários certamente contribuiu para esse processo. Mas um ponto fundamental foi a atuação de organizações de base popular que passaram a compartilhar informações, experiências e facilitar o acesso a substâncias derivadas da maconha. As pessoas começaram a usar para o alívio de sintomas para diversas questões de saúde e isso contribuiu muito para essa popularização.

A falta de políticas públicas penaliza tanto quem está no território periférico quanto nas regiões mais nobres/de classe média. Como isso foi sentido na captação das respostas? Pode se afirmar que o medo atravessa os usuários de uso terapêutico por completo?

As dificuldades enfrentadas por pessoas negras, moradoras de favelas e periferias no acesso ao uso terapêutico da maconha não são iguais àquelas enfrentadas por pessoas brancas, de classe média. Essa diferença tem uma explicação: o racismo, que estrutura a atual política de drogas e define que determinados territórios devem ser alvo de operações policiais quase diárias. Uma pessoa que faz uso terapêutico do óleo ou qualquer outra forma da maconha no Leblon não tem a preocupação de ter sua casa invadida por policiais durante uma operação. Esse medo nas favelas é constante e foi mencionado em diversas respostas coletadas pela pesquisa.

De que forma a pesquisa consegue mensurar os números de outras áreas que não as estabelecidas na pesquisa?

O tema da maconha ainda é permeado por preconceitos, o que dificulta que pesquisas sejam feitas. Sabemos que muitas pessoas não se sentem confortáveis em falar sobre o tema. Ainda assim, para pensar em políticas públicas, é necessário entender a realidade das pessoas. O esforço de fazer essa pesquisa surge da necessidade de olhar para a realidade das favelas e pensar alternativas a partir delas.

Captadas a importância de acesso a substância, de que maneira conseguimos mensurar que, se não houvesse a presença dessas ONGs/instituições, o quão mais difícil seria a possibilidade de uso para essas famílias?

A existência de organizações de base popular que viabilizam o uso terapêutico da maconha nas favelas só é necessária porque o Estado falha em garantir o acesso à saúde. Há inúmeras evidências científicas sobre a eficácia da substância para diversas questões de saúde. É urgente que sejam criadas políticas públicas que garantam o acesso gratuito a derivados da maconha pelo Sistema Único de Saúde, em parceria com associações locais. As favelas se reinventam para sobreviver, mas o dever de garantir direitos é do poder público.

Como construir uma discussão sem preconceito sobre o tema?

A proibição das drogas, ao contrário do que se possa pensar, não teve motivações científicas. A política de guerra às drogas foi e é guiada pelo racismo, causando dor e sofrimento em favelas e periferias. Além disso, a criminalização também impede que informações corretas e evidências científicas sejam debatidas de maneira honesta.

Ela impede, por exemplo, que os potenciais terapêuticos de várias substâncias psicoativas sejam pesquisados. Por muitos anos, a maconha foi amplamente criminalizada e só agora seus efeitos terapêuticos estão sendo descobertos. O mesmo serve para outras drogas. Somente com debates honestos sobre o tema é possível avançar.

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