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Eduardo Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Museu do Futebol recebe registros da 1ª Copa Feminina feitos por brasileira

Seleção da primeira Copa Feminina. - Claudia Silva/Museu Do Futebol.
Seleção da primeira Copa Feminina. Imagem: Claudia Silva/Museu Do Futebol.

Edu Carvalho

27/07/2023 04h00

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Imagina só: o ano é 1988 e a Federação Internacional de Futebol, a FIFA, enfim reconhece o campeonato de mulheres - embora já ocorressem disputas entre os clubes, com amistosos de seleções há mais tempo do que se sabia, mas todos sem o devido apoio. O que se faz? Corre pra cobrir e achar um jeito de noticiar, sobretudo, para aquele que já era visto como ‘’o país do futebol’’ pelos pés de nós, os homens. Só que à época, as condições em marcar gols contra, eram bem piores que o 7x1.

Whatsapp? Esquece! Notebook, celular com internet, live do Cazé para transmitir? Isso é história para o próximo milênio...Realizado em Guangzhou, província de Cantão, na longínqua China, o primeiro torneio oficial impunha questões logísticas que colocava em xeque o trabalho jornalístico de quem tentava não tirar o olho do lance. Como a jornalista Claudia Silva, única repórter brasileira a acompanhar um time de estrelas: Lica, Simone, Susana, Mariza, Elane, Fia, Roseli, Flordelis, Russa, Michael Jackson, Suzy, Sandra, Fanta, Pelezinha, Lucia, Marcinha, Cebola e a imprescindível, Sisi. Um time que merece todos os louros por ter sido de ‘’pioneiras’’.

O envio das matérias era feito por telex (jovens, procurem a foto de um no Google), o que dificultava ainda mais a digitação por conta da formatação diferente usada no Brasil. Para fazer as matérias rodarem, a redação do Jornal de Sports, para o qual Cláudia trabalhava, montou um esquema de operação com o hotel: o texto era criado entre 4 e 5 da manhã na China, sem nenhuma foto. Todos os registros eram produzidos também pela jornalista, que possuía um equipamento particular, porém as imagens só ganhariam o público quando Claudia retornasse (é como se só pudéssemos ver os três belíssimos gols de Ary Borges e um de Bia Zaneratto, feitos na última segunda, apenas no final do campeonato).

Jornalista brasileira Claudia Silva, única mulher a cobrir 1ª Copa Feminina - Claudia Silva/Museu do Futebol - Claudia Silva/Museu do Futebol
Jornalista brasileira Claudia Silva, única mulher a cobrir 1ª Copa Feminina
Imagem: Claudia Silva/Museu do Futebol

‘"A preparação, a oportunidade, as questões políticas, tudo nessa viagem marcou a minha vida. Primeiro entendi que o Futebol Feminino deveria ser encarado seriamente, com profissionais preparados, reconhecidos e remunerados de forma justa’’, explicita Claudia, que ao longo da cobertura percebeu as desigualdades que o primeiro time vivia.

Como na ocasião em que as jogadoras participaram de um jantar em homenagem ao então presidente da FIFA, João Havelange. Claudia conta que os agasalhos usados por nossas canarinhas e também pelas atletas brasileiras destoavam dos trajes formais das demais delegações.

Agasalhos usados por jogadoras destoava da roupa dos outros convidados do jantar. - Claudia Silva/Museu Do Futebol. - Claudia Silva/Museu Do Futebol.
Agasalhos usados por jogadoras destoava da roupa dos outros convidados do jantar.
Imagem: Claudia Silva/Museu Do Futebol.

Com o passar dos anos, o Brasil em campo pelos dribles e toques das jogadoras começou a ser visto como possibilidade, e agora passa a ter outro olhar. Recentemente, parte da História (essa com H maiúsculo) contada pela 12ª em campo ganhou os holofotes do Museu do Futebol, localizado no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, e que até então, não contava com nenhum artigo da seleção brasileira de futebol feminino - que também encontra-se disponível em formato virtual.

"Fiquei em choque. Não pensava na dimensão que foi o trabalho, só depois que as pesquisadoras me procuraram, atentei ao fato. 95% das fotos foram feitas são registros meus, que naquela época, não me via fazendo história. Eu mesma reproduzi o preconceito geral com o futebol feminino, erradamente, sem ter a dimensão de que aquele momento foi a primeira grande aparição da seleção’’, diz Claudia Silva.

Sobre o sentimento em ver as novas gerações apreendendo a importância do feito, a jornalista reflete que esta só é uma ação possível, além do brilhantismo nas quadras, por um olhar de reconhecimento acadêmico. Como vem sendo feito pelo GRECCO - Grupo de Estudos sobre Esporte, Cultura e História, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que conta com um núcleo especial para o tema.

‘’Se não fosse essa busca, não teríamos essa proporção. A imprensa também tem importância, mas a resistência acadêmica, o trabalho das primeiras jogadoras, a equipe do Museu do Futebol, é muito grande’’.

Para a então jovem de 22 anos, mulher e negra, experimentar aquilo ‘’foi um marco’’, que agora ganha outros contornos. ‘’Precisamos contar essa história, mantendo ela viva. A vontade dessas meninas mudaram a modalidade no Brasil, e é a elas que devemos a semente do que temos hoje’’.

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Um fazendeiro excêntrico cria um safári africano no Brasil. Uma cidade famosa por seus... caixões. Em 'OESTE', nova série em vídeos do UOL, você descobre estas e outras histórias inacreditáveis do interior do país. Assista:

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL