Eduardo Carvalho

Eduardo Carvalho

Siga nas redes
Opinião

'Já estive na fila que nem o Faustão': a luta pela vida na doação de órgãos

''Já estive na fila que nem o Faustão'', me disse uma senhora enquanto aguardávamos a chamada para os exames. A conversa, feita apenas dois dias após um comunicado do Hospital Israelita Albert Einstein trazer ao público o estado de saúde do apresentador, na noite do último domingo (20), quando quis o destino escrever por linhas tortas — coincidência ou não — um debate sobre a doação de órgãos no país.

Na figura de Fausto (assim como o cantor Marcinho), em dimensão e grandiosidade, está a batalha pela vida daqueles que esperam na espera, em uma fila que une gordos e magros, pretos e brancos, baixos e altos, gentes de qualquer lugar.

Nessa batalha, fartas carteiras ou moedeiros sem nenhum valor estão em pé de igualdade, numa dinâmica que só é possível pelo funcionamento contínuo do combalido (apesar de tudo) Sistema Único de Saúde, o SUS. Algo extremamente crucial, num momento onde esgotam-se as possibilidades de tratamentos que sejam administrados por remédios ou qualquer outro tipo de intervenção.

Aqui abro parênteses: do último ano para cá, a questão dos órgãos se tornou um tema sensível e cada vez mais presente na minha vida. De volta ao tratamento renal, mas sem que precise, ao certo, fazer um transplante, encontro com pacientes de variados tipos e situações. Sobretudo agora, quando retomo a ida frequente a locais que fazem a avaliação de pacientes junto aos médicos e escuto, aprendo e fico ainda mais atento ao assunto que deveria mobilizar, com força, toda a sociedade.

Na falta de um 'Zé Gotinha' pra chamar de nosso, ver na fala de quem é transplantado a gratidão do órgão doado.

'Eu não estaria aqui se não fosse a doação. O que poderia ser só tristeza se transformou em alegria.

Esta foi uma das frases que ouvi na antessala. Não perguntei o nome da senhora, mas vi em seu olhar o amor profundo — seja por quem partiu, seja por quem está vivo, aqui e no agora.

Sim: precisamos entender e desmistificar o impacto sobre as doações feitas em vida, quando se pode doar, por exemplo, uma parte do fígado, medula óssea e rins — esse último sendo o que mais encontro.

Em março, uma matéria do Jornal Nacional mostrou que depois de 25 anos, a fila de transplante de órgãos no Brasil havia passado de 50 mil pessoas, segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Destes, 30 mil à espera de um rim.

Continua após a publicidade

O alerta de meses atrás continua: é preciso aumentar as autorizações para doação. Em números, 2022 registrou um percentual recorde de recusas; 47%; uma baixa que tem impactos de curto a médio prazo.

O Brasil tem o maior sistema público de transplante do mundo, pelo SUS, mas é essencial a doação de órgãos. Um doador pode salvar até oito vidas. Fale com sua família, só ela pode autorizar a doação e precisa saber sua intenção.

"Doe órgãos, é um ato de amor'', disse a atual ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante o programa "Melhor da Noite" (Band), que lançou uma campanha de conscientização convidando a população para o gesto.

A atitude não pode vir sozinha. Por meio de políticas públicas, uma mudança significativa pode ser conquistada.

Na Câmara, o projeto de lei 920/21 trabalha com o objetivo de conceder um auxílio funeral e isenção de taxas e tarifas relacionadas ao serviço funerário para a família da pessoa que tiver doado órgãos e tecidos para transplantes.

Iniciativas não podem faltar para ajudar quem mais precisa. É com esforço coletivo e público que mudamos a rota dos acontecimentos, e assim, salvamos trajetórias no presente. É preciso que o Brasil entenda a importância da doação de órgãos.

Continua após a publicidade

Fausto, com certeza, assim como já fez, estaria falando isso com seu microfone.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes