Diretora da Natura fala do poder das empresas em impactar com suas ações
Não é de hoje que discutimos a responsabilidade de pequenas, médias e grandes empresas em serem catalisadoras de ações e discussões que transformam a atitude de quem consome. A discussão é sobre o poder e busca por exemplos positivos —e, assim, unir mobilização e engajamento nas questões mais urgentes ao país.
Para muitas, o chamamento só veio pela visão ESG, adotado no setor corporativo com intuito de garantir estratégias sociais e ambientais que se tornem efetivas dentro e fora do mercado. Mas há quem tenha sido a primeira de muitas, bem antes do termo, tornando-se reconhecida dentre as demais por criar sistemas que hoje são replicados em diversas vertentes, como o caso da Natura, que atua há mais de 50 anos no ramo de cosméticos.
Para Denise Coutinho, diretora de marketing da empresa, a marca valida nas suas ações, as crenças que norteiam a própria empresa, na busca por acompanhar a sociedade e as mudanças necessárias de consumo e escolha. ''São muitas conversas relevantes, e é cada vez mais papel das empresas fomentar aquilo que tem a ver com seus propósitos, a investir nos diálogos de evolução''.
Leia abaixo o papo que bati com Denise Coutinho.
Como é fazer parte de uma empresa que pauta o valor socioambiental e que é exemplo?
Denise Coutinho: Estou na Natura há 26 anos, entrei como trainee recém-formada e fiz toda a carreira na empresa. Em 1997, quando entrei, já existia o pensamento sobre sustentabilidade, mesmo quando ninguém falava sobre. A Natura sempre teve como filosofia o "bem estar bem", de ser o que é melhor pra você, de ser aquilo que é melhor para o mundo. Quando pautamos isso, começamos a pensar, refletir sobre o que precisamos repensar na forma de fazer. Já éramos uma empresa de vanguarda, trazíamos conceitos inovadores, justamente por sermos uma empresa filosófica, ancorada nas dores do ser humano e trazendo as respostas para a solução de um mundo melhor.
Como foi a introdução da temática na produção?
Denise Coutinho: A Natura não fez nada superficial. A empresa leva uma turma para a Amazônia, começa a pesquisar ingredientes e a desenvolver as comunidades, ensinando e aprendendo os valores das sementes, dos frutos e de como fazer o manejo sustentável, se organizando em cooperativas, para de fato se desenvolver. No início, tivemos a linha Ekos, lançada em 2000, quando começamos a fazer produtos muito especiais. Agora, 23 anos depois, temos dois milhões e meio de hectares, além de oito mil famílias beneficiadas, que vivem do comércio de frutas, sementes e também raízes. Toda a perfumaria usa óleo essencial da Amazônia, isso também entra nessa conta. Então chega a sementinha da sustentabilidade, e ela nasce num ambiente em que essas questões já são tidas como reais dentro da própria empresa.
Nos últimos anos, o conceito ESG passou a entrar nas empresas e isso modificou os cenários corporativos. Como avalia isso dentro da Natura?
Denise Coutinho: Quando você tem algo como a Natura, em que há visão muito clara de construção de um mundo melhor, e você tece isso nas crenças que são muito importantes para a empresa, isso permeia tudo. Na questão ambiental, toda a perfumaria, por exemplo, sempre utilizou álcool orgânico. Partiu de uma escolha de um álcool que é mais caro, mas ao mesmo tempo é uma forma de cultivo que regenera a terra, com o reflorestamento do espaço e a volta de insetos. As escolhas feitas aqui dentro são norteadas em todos os campos: da promoção dos projetos até o jeito de contabilizar resultados.
Há algum exemplo dentro dessa gama de possibilidades?
Denise Coutinho: Kaiak é uma marca enorme, a maior de perfumaria do Brasil. Uma gigante. Desde o começo, ainda em 1996, ela foi criada e conectada com o DNA aquático, com uma comunicação que sempre esteve na água e com fragrâncias que são uma explosão de frescor. É uma paixão dos brasileiros, de geração em geração.
Numa viagem com uma consultora para um prêmio de perfumaria em NY, nós fomos para uma exposição em que você entrava e, quando ali, todo o fundo do mar era feito de garrafas PET. Era uma baleia de garrafa numa sala, na outra a visão dos peixes no mar, também com garrafas, e, no final, uma frase: ''Até 2050, se a gente não fizer nada, a gente vai ter mais plástico no mar do que peixe''. Aquilo me impactou. Pensei: falamos muito da Amazônia, temos um recurso destinado ao território, mas também temos outro "problemão" nas águas. O primeiro projeto que tivemos foi levantar a embalagem com peças retiradas do oceano. As pessoas me olhavam, perguntavam como íamos fazer, e eu dizia "não sei". Mas começamos a estudar e descobrimos que o que chega no mar não são os resíduos da praia. Prioritariamente, são os resíduos que não são descartados de uma forma correta, vindo das cidades com até 50 km do litoral, chegam aos córregos, as correntes levam e deságuam nos oceanos.
Começamos a mapear como estruturar uma cadeira de coletas seletivas no litoral de SP e RJ. Foi legal porque geramos emprego, dentro da causa ambiental, ter social. A primeira virada foi Kaiak Oceano, em que conseguimos colocar 8% do plástico do Oceano na embalagem. Em dois anos, escalamos a cadeia e conseguimos estruturar para virar a marca inteira. Fizemos também um projeto de redução de 20% de plástico e conseguimos transformar a marca inteira para plástico retirado do litoral.
São essas estratégias que a marca pensa para manter o público em alerta e, assim, conectar com os biomas e sua preservação?
Coutinho: Sem dúvida. Algo que me dá orgulho de fazer com que a Natura seja amada pelos consumidores são exatamente essas provocações de uma sociedade melhor, e em vários momentos. São muitas conversas relevantes, e é cada vez mais papel das empresas fomentar aquilo que tem a ver com seus propósitos, a investir nos diálogos de evolução. O público mais jovem é muito conectado. Tem uma geração muito mais consciente e que dá muito valor. No final, consumir é um ato de escolha. Quando você escolhe, você também está dizendo o que você pensa.
A Natura faz, a cada ação, esse reposicionamento da marca de acordo com o pedido do público?
Coutinho: A Natura se posiciona muito de acordo com a sua filosofia. Ela segue suas crenças e valores. É óbvio que o público quer e é importante, temos uma empresa grande, e precisa estar direcionada, ouvindo, mas o que norteia, até pra ser disruptivo em vários momentos, é realmente as crenças e valores.
Dentro desse contexto, a empresa não pode atuar sozinha. Como construir parcerias?
Denise: Temos feito com a Família Schürmann o 'Vozes do Oceano', para dar visibilidade para essas ilhas de lixo encontradas no mar. Além de pensar como nós, enquanto sociedade, podemos trabalhar em conjunto para evitar isso. Nos unimos a eles e conseguimos uma aderência ampla. Chegamos na TV aberta, fomos pro digital. Na paralela, nos unimos à EcoSurf, uma instituição que faz limpeza de praia e toda a comunidade do lugar se reúne para a separação de resíduos, numa dinâmica de conscientização Ano passado, Kaiak fez 25 anos, então fizemos 25 limpezas de praias com as consultoras espalhadas pelo Brasil. É o olhar da urgência, do que consome, repensar de quem consome, quando consome e ao que se destina. No World Surf League (campeonato de surf que teve fase na última semana no Rio), conectamos a proposta do mar e fizemos a ativação no lugar, para educação ambiental. Levamos influenciadores para dar voz ao tema e ficamos felizes. Mais que ativar, estamos levando a causa com propósito e trazendo uma ação de repensar.
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