Eduardo Carvalho

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Opinião

Gente é pra brilhar, não pra ficar sem luz

Na última sexta-feira (3), quando o céu desabava sobre a cidade de São Paulo, bem distante do sofrimento cantado na música 'Temporal', o que sobrava dos céus em terra era, além de lama, centenas de árvores espalhadas pela cidade, penduradas nos postes, sustentadas sobre as fiações. Na minha cabeça, era o cenário da catástrofe, em que só uma pergunta me norteava enquanto assistia aquelas cenas: "Por quanto tempo vão ficar sem luz?".

Para quem nasceu forjado no descaso e omissão do Estado, em periferias e favelas, o sentimento de apreensão quando algo assim acontece nos toma. Você perde tudo, e quando é tudo, é tudo mesmo. Do feijão do mês à carne comprada e repartida para que dure mais que 30 dias, além daquilo que se tem em maior valor.

Ver a geladeira queimada, o ar-condicionado, o fogão e o computador gera ainda mais tristeza. E não é pelo bolso apenas, mas sim pela dimensão de que aquilo, em muitos momentos, foi comprado a duras penas para realizar aquilo que ao humano é tido como ''sonho''. Ostentação? Para alguns.

Quando a água baixou, o que abarrotava era uma quantidade de gente no escuro. Apagados, mais de 30 mil endereços —e contando—, além do triste dado de oito mortes em todo Estado. O que poderia ter sido prevenido, se houvesse plano, contingência e aquilo que costumamos chamar de inteligência. Só que o que não faltava mesmo era inação, má vontade e desrespeito das autoridades com todas as pessoas, num raro momento em que asfalto e quebrada, entre as vias de SP, passavam por um mesmo problema.

Há meses aqui em Ecoa, tratei da questão, mas sentida aqui da minha "ilha", o Rio de Janeiro.

Quando chove, o que cai por aqui não é "desastre", é falta de política pública, que ganha ampla e maior força em diferentes frentes, sob a égide das decisões de quem, com caneta nas mãos, adquire poder

''Cadê a entrevista do prefeito antes da crise, dizendo 'Enel, vocês não estão atendendo. Vai dar ruim quando tiver uma tempestade, um temporal'? Sabe por que ele (Ricardo Nunes) nunca disse? Porque não era preocupação dele, nem era prioridade da Prefeitura, assim como não é preocupação do governo do Estado. Aliás, a que menos está preocupada nessa história é a concessionária, porque ela não ganha nada enterrando fio. Ela ganha pelo poste", cobrou a jornalista Natuza Nery, na GloboNews, quando, além de jornalista, era cidadã acometida pela situação.

Só a Prefeitura de São Paulo, em dados, contabilizou mais de três mil solicitações de poda de árvore, por exemplo, algumas desde de 2020, mas que não tiveram seus chamados atendidos. É preciso que desenhe ou você entendeu?

Nas cenas de dias seguintes, ainda pelo acontecimento, moradores do Jardim Colombo, próximo à Paraisópolis e bem perto do Palácio Tiradentes, casa do Executivo, faziam um protesto que esboçava o sentimento de centenas de milhares de pessoas na anteontem.

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Horas depois, assistia, de casa, à apresentação de Caetano Veloso e Xande de Pilares no Prêmio Multishow. ''Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome'', cantavam. Além de brilhar, não é pra ficar sem luz.

P.S: pra você que está no Rio de Janeiro, venha aproveitar o Festival Comida de Favela, evento gastronômico que acontece pela 2ª vez na Maré, até 02/12. Bares e restaurantes que funcionam nas 16 favelas do conjunto de favelas se inscreveram entre maio e junho para participar do festival, que escolhe 17 estabelecimentos para uma segunda etapa, na qual terão que preparar um prato a partir da categoria que estão participando. Vale conferir!

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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