Eduardo Carvalho

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Opinião

40°C, morte em show da Taylor e vergonha no Maracanã: ainda existe Brasil?

Posso falar? Pensei que fosse derreter na última semana: 40ºC de pura loucura e nenhuma romantização —afinal, não são todos que podem aproveitar as areias escaldantes, dourando a pele sob o sol.

Não há prazer quando há sofrimento, como na Rocinha (favela em que nasci e cresci), que durante mais de oito dias ficou sem serviços de energia. O impacto? Mais de 20 mil pessoas afetadas. É um pouco difícil ficar feliz assim, concorda?

Não muito distante, a poucos quilômetros, daria para vender cápsulas de alegria para quem estivesse no Rio de Janeiro desde antes da última sexta-feira (17), quando a cantora americana Taylor Swift iniciou sua turnê em solo brasileiro. Até o Cristo abraçou a chegada, num movimento que retribuiu com doações a quem necessitava de água para matar a sede e panetones para aliviar a fome.

Num mix de histeria e apreensão, a realização do sonho consumado. Todo mundo um dia já viveu e entende essa sensação, mas confesso que nem todo mundo esperava o resultado final: uma morte. Não apenas uma morte. A morte de Ana Clara Benevides, sob o alto calor que afetava mais de 60 mil pessoas aglomeradas num estádio que não servia água, e que tampou as saídas laterais para que o público de fora não visse sequer um frame da apresentação.

Não consegui não deixar de esboçar a tristeza resumida em ter uma mulher negra e jovem morta sob a conivência de empresas privadas e a falta de gestão que se naturaliza como política pública que funciona no Brasil, há pouquíssimos dias da comemoração de mais um 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra.

Ana Clara se torna agora João Alberto, homem negro morto asfixiado na porta de um mercado há três anos, e que teve sua morte como um 'x' marcado no calendário entre um antes e depois que fazem as coisas acontecerem. Mas só depois. Sim, eu entendo, o mal da consequência é que ela só vem quando tomada e vivida uma ação. Só que será mesmo que nosso dever será o de correr atrás do que foi feito, numa espécie de reparação de danos que mais nos obriga a lidar com a realidade do que solucionar a pequenos passos?

Torcedores de Brasil e Argentina brigam na arquibancada do Maracanã
Torcedores de Brasil e Argentina brigam na arquibancada do Maracanã Imagem: Reprodução/Globoplay

Você deve estar me achando descrente, pode dizer. Porém, nem nos campos de futebol conseguimos mais sustentar uma boa visão e percepção.

A violência rompeu os gramados e fez do espetáculo Brasil e Argentina uma experiência tenebrosa para quem assistia in loco e para quem via pela tela das TVs, computadores e celulares. Na partida, omissão e descaso fizeram questão de marcar gol, todos contra nós.

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Em um raio de semana em que não foi nada agradável ser carioca —ainda que só nós possamos reclamar sobre— a pergunta que fica é só uma: existe Brasil? Se sim, por onde a gente começa pra fazer dar certo?

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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