Era pra ser uma mulher negra, Lula
Foi muito mais que um 1º de janeiro geralmente comum para todos. Na cena, era o Brasil, diferente de como cantava Moraes Moreira, agora subindo e 'não descendo a ladeira', diverso e bonito, como tem que ser. Em verdade, como é. O senhor prometeu.
Só que entre falar e agir, muitas vezes, nos encontramos defronte a um abismo sem fim. Em seu caso, pudera: política é atuar suprimindo suas vontades para garantir governabilidade, correto, presidente? E assim, um toma-lá-dá-cá em que discurso fica distante da atitude. Quem assistiu a subida da rampa do Planalto naquele domingo bem que achava que seria agora, a hora e o lugar, de pretos, pobres, indígenas e LGBTQUIAPN+. E das mulheres, presidente. Das mulheres negras, sobretudo.
Imagine então ter uma atuando no Supremo Tribunal Federal, transformando o placar que torna, em maioria naquele local, a presença ostensiva - e até mesmo violenta - só de…homens. Tinha-se nas mãos todos os instrumentos para isso, o senhor concorda comigo? Mas não rolou.
Era pra ser uma mulher, Lula, e podia ser uma mulher negra. Parte da população queria isso. O Datafolha, instituto do Grupo Folha, fez uma pesquisa em setembro deste ano que apontava a preferência de 47% dos brasileiros para a decisão de uma mulher preencher a vaga no STF. O quão simbólico e importante seria se, além de uma questão de gênero, fosse incluído o fator raça, subvertendo até aqui uma trajetória de esvaziamento na mais alta corte. Um marco tão importante quanto acenar para a paz em tempos de guerra.
Não foi por falta de esforço coletivo da sociedade civil, que comprou a causa e disputou espaço na mídia. O Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), por exemplo, se uniu a demais organizações para lançar a campanha #PretaMinistra, e, mesmo sem a efetividade do apelo, reconhece que foi vitoriosa a ação realizada nos últimos meses. ''Apesar de não termos a indicação da primeira ministra negra para o STF, entendemos que a campanha foi vitoriosa ao jogar luz na absurda ausência de diversidade racial na justiça do país'', trazia um post nas redes sociais. Eu boto fé no que eles dizem.
É inegável que Flávio Dino, então ministro da Justiça e Segurança Pública, apresenta, além de seu currículo valoroso, notório saber para ser passível de escolha. Mas o senhor há de concluir comigo de que as mulheres negras não tiveram nem mesmo um átimo de oportunidade para discorrerem sobre suas competências, seus Lattes e saberes, todos eles que colorem tanto os olhos quando um homem tem tempo para isso (e aqui nem falarei do fator Zanin). E escrevo tendo em minha cabeça a total ciência do quanto sou privilegiado por ser um.
No vazio que é flertar com a expectativa e frustração, presidente, a gente fica mesmo com aqueles que falam e cumprem, sem promessas vazias. Como o brasileiro Betinho, que agora tem sua vida contada na série ''Betinho: No Fio da Navalha'', em que se mostra a luta do ativista, entendimento e dimensão da causa que o movia. E que não se contrapunha a qualquer aceno político ou jurídico. Nada o atravessava.
Vou dormir com isso na cuca: por um Brasil de mais 'gentes' de palavra como Betinho.
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