O que fica quando os sonhos se realizam?
Sentir-se completo, naquilo que por vezes não chegou nem a ser cogitado. Confesso que mesmo hoje, homenzarrão de 1,87 de altura, há um conflito enorme quando me vejo próximo a realizar um desejo ou, melhor dizendo, sonho, antes só aventado, e que pode ganhar forma quando agora estou e sou mais próximo de concretizá-lo por ter ascendido minimamente no espaço social.
Aqui é preciso riscar no chão a dinâmica de acesso. Afinal, sonhar não é um bem comum para todos, já repararam? É difícil imaginar um cenário quando as mazelas da vida cotidiana atravessam o nosso dia a dia. Sonhar sem ter a barriga cheia, por exemplo, é uma impossibilidade, assim como é o fato de nem ao menos ter a dimensão exata de que se é um ser passível desse direito. Olha como a vida pode ser louca!
Não falo sobre ter uma casa, mais de seis cifras no banco, um iate ou até uma grande empresa. Falo sobre as vontades mais simples: comer uma comida diferente (tem pessoas, neste momento, que nunca sentiram na boca um fiapo de carne, frango e qualquer outro alimento que possa ser 'normal' para muitos), ter direito à compra de uma roupa ou sapato - ao invés de apenas receber aqueles que não são mais utilizados por algum parente familiar - e até uma bala. Sim, os sonhos não têm tamanho e podem, por muitas vezes, ser mais comezinhos do que imaginamos.
Há dias, realizei um sonho em escala maior: ver Paul McCartney. Ok, muitos poderão achar que isso não era de 'importância' e valia para minha vida. Mas, para mim, era. Reconectei-me com a criança embalada pelas músicas do eterno beatle nas rádios FM e AM, única ponte de acesso à cultura musical disponível por quase toda minha infância e adolescência. Mesmo sem entender o que ele cantava em inglês, eu sentia aquilo como se fosse meu. E aquilo se conectava com a minha vida, instruído por minha mãe, uma nordestina que cursou até a quinta série. Semi-analfabeta, apostou nas Artes (através das TVs e rádios) como o local em que se formaria e também educaria os filhos. No caso, eu e minha irmã.
Presente no show, mas sem a figura que ensinou a curtir Paul e sua obra por conta da sua saúde, fiz as pazes com a criança que não teve, por anos, condições. Festejei a vida e a honra de estar entre mais de 60 mil pessoas pulsando num Maracanã lotado. E de ver que, até aqui, tudo valeu a pena.
Não douro a pílula: há um abismo colossal que nos divide em realidades desiguais e violentas. Há questões sérias a serem resolvidas. E o direito inalienável ao sonho, bem como sua realização, deveria ser assegurado. Para todos.
Saí do show bêbado, não de álcool, mas de uma energia de quem estava, enfim, realizado, quase como se fosse uma promessa paga a mim mesmo e aos meus ancestrais, que ficam em estado de congraçamento ao menor sinal de contemplação em minha vida. Não satisfeito, dentro do metrô que chacoalhava durante a volta, questionei-me sobre o que vinha a seguir. E não é que veio outro sonho? Agora, de assistir também no 'maraca', Ivete Sangalo.
O menino que detinha o DVD pirata da histórica apresentação no estádio feita pela cantora em 2006 (e o guarda até hoje) também refez os laços consigo mesmo. E para minha surpresa, a pergunta sobre a concretização veio, de novo, durante o retorno pós-show.
De grão em grão, realizações. E a cada etapa vencida, não só o 'check', mas sim a constatação: ''Consegui''. Assim deve ser com você do outro lado da tela. E se não é ainda, será. Só existe uma resposta para a pergunta: viver para tornar o próximo sonho real.
E nem precisa escrever carta para Papai Noel.
Opinião
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