Eduardo Carvalho

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Opinião

Se os brancos estão 'perdidos', nós negros estamos organizados?

Ao voltar ao centro do "Roda Viva", onde esteve presente pela primeira vez há 32 anos, Fernanda Torres atraiu atenção nas redes sociais no dia seguinte à entrevista. Não apenas pela importância do programa, o mais longevo de entrevistas na TV, mas também pelo conteúdo abordado por Fernanda em discussões que atravessam o presente. Tais como o lugar dos brancos e seu poder de liberdade, porém, sem o protagonismo que alcançava multidões no passado.

''O problema é que o intelectual branco antes era o porta-voz do povo, ele era livre, superior e o porta-voz do povo, e hoje o povo fala por si (...) Eles estão achados, quem está perdido somos nós''. A reflexão lúcida da atriz quica sobre uma fala debatida por ativistas negros há tempos, mas que ganha destaque quando pronunciada por alguém não negro e também de status. Ainda assim, o pensamento de Fernanda traz mais questões sobre o que se espera de uma 'unidade'.

Em um 2024 que já mostra suas caras, a organização das pessoas negras é difusa ou sabemos exatamente o que queremos? Até porque, quando se diz ''eles'', há sensação de homogeneidade, o que parece pouco usual para um país que, em números, apresenta 112 milhões de pessoas autodeclaradas e maravilhosamente plurais.

O comentário de Fernanda é cirúrgico: a perda de ação ''da zona sul'' em (des)orientar o pensamento, como se fosse a última nota de um mesmo samba. E também o cansaço e disposição hercúlea - mais nosso, do que dos próprios brancos - em dialogar com ''brancos pelegos de brancos'', além de não aguentar mais conversar com ''branco culpado''. Nos encontramos sem paciência (e tempo) pra quem está começando, irmão.

Mas também diz respeito à nossa pouca ação em promover um discurso que abarque todos, sem agir na urgência ou ditado pela branquitude. Algo antigo, sem sentido e excludente, em um Brasil que integra múltiplas realidades desiguais.

Longe de fazer aqui um apontamento conciso, como pediria a norma de quem escreve uma coluna, hoje trago interrogações que não se limitam a posts de Instagram, vídeos em reels, TikToks ou tuítes no X. As perguntas ecoam em mim e deveriam envolver mais pessoas, com a consciência de que este ano é um ano eleitoral, e daqui dois anos, também. Como reagimos a isso? Essa onda pode nos abater mais do que antes e mais forte.

No mais, vira "armazém de secos e molhados", como diria Millôr. Ou, pra ser mais dinâmico: "nada muda, feijoada."

P.S.: Pra quem estiver no Rio, duas dicas: Yuri Marçal em peça e Andréa Beltrão, também. Vale conferir, rir, se emocionar e se sentir atravessado.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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