A chance que nos resta é um Brasil cocar
Enquanto escrevo esta coluna, atrasado por conta da peleja cotidiana, os jornais dão a notícia de que o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e alguns ministros de seu governo são alvo de uma investigação da PF. O embate mais intenso - e tenso - do xadrez político entre Bolsonaro e o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, enfim, se estabelece. Mas não é disso que quero falar.
Estamos a algumas horas da folia momesca. É tempo de transe (será?). Para gregos e troianos, é onde o país se encontra, em meio ao confete e a serpentina, para festejar suas dores, apesar delas. E, assim, aliviar a vida para nos tornarmos mais leves ou ao menos acreditar que um outro imaginário de trajetória é possível.
No palco principal da comemoração, a Sapucaí, que neste ano completa 40 anos, um mar de possibilidades nos faz refletir sobre nossa própria história. É claro que nenhum revisionismo é positivo, mas ver ali, tão na fuça, o que precisamos mudar enquanto sociedade e também no humano, é um prato cheio para redesenhar nossos atos enquanto cidadãos deste patropi.
Para seu Carnaval, a Acadêmicos do Salgueiro traz como enredo "Hutukara", que na língua yanomami significa "o céu original a partir do qual se formou a terra", a exaltar da mitologia Yanomami, além da defesa de uma das bandeiras que mais causaram dissidências (seja pró ou contra): a luta pela Amazônia.
Segundo Edson Pereira, pesquisador que fez análises sobre as possíveis temáticas para 2024, ele se deparou com o livro ''A Queda do Céu'', do xamã e líder político yanomami Davi Kopenawa, e, inspirado, quis tocar mais fortemente no assunto de extrema urgência na ágora real e virtual.
Nas palavras de Edson, antes de o Brasil ser império, antes de existir a coroa, ''já existia o cocar''. E é fundamental que todos os brasileiros se conscientizem sobre a valorização dos nossos povos originários. Na primeira estrofe, um verso é cantado duas vezes: ''Ya temí xoa, aê-êa é''. Ele significa que'' eu ainda estou vivo'', na língua indígena.
Não por coincidência, volto ao início deste texto com a notícia que norteia todos os veículos neste quinta-feira. Seria cômico se não fosse trágico que, na véspera da folia, um dos maiores causadores de discórdia no país sobre a pauta ambiental seja alvo da PF. Não está longe de ser o fim da história, mas que alivia, disso não há dúvidas.
Porque, no fim das contas, como diz o enredo do Salgueiro: ''A chance que nos resta é um Brasil cocar''.
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