Todo negro tem medo de ser parado pela polícia
Se Diego Sarza não tivesse respondido que era jornalista ao ser parado pela Polícia Militar em São Paulo, a história no dia seguinte teria sido - talvez - outra. Não haveria apresentador no UOL News e, provavelmente, nada, absolutamente nada, mudaria para quem está na estrutura. Afinal, o que fez o comunicador levar uma ''dura'' ao ser confundido só pertence a ele e a pouco mais de 56% da população: ser negro.
Com o episódio de Sarza, escancaramos mais uma vez a praga maior de nossa história enquanto país: a desigualdade racial. Para muitos, menos importante do que a desigualdade social. Mas esquecem de um fato, quase minúsculo, só que da maior importância: ninguém é parado unicamente por ser ''pobre'', mas, sim, por ser de pele escura. Não importa se você tem R$ 100 no bolso, importa que você é preto e saiu da mesma produção que relaciona todas as pessoas como ''parecidas''.
De que servirá Diego apresentar o crachá de um dos melhores de sua geração? De que cobriu os últimos eventos importantes do Brasil, dentro e fora do UOL, onde bate cartão todos os dias, no fim da tarde? Esquecido fica o diploma, honraria maior que muitos sonham em ostentar, como se fosse um escudo, uma proteção que limita a violência do outro, já que o cacetete batendo no corpo é mais rápido do que abrir o celular e mostrar o que estava fazendo e com quem. Até aí, você já pode até não estar mais vivo.
O acontecido traça o medo coletivo, o de ser parado pela polícia e tentar mostrar que ''não, não sou eu, eu posso provar''. Um medo que todo negro tem. Um trauma, uma dor que prescinde da existência. Quando se é preto, se nasce temendo o dia que a viatura procurará seu corpo e movimento, mesmo em meio a dois milhões de pessoas. Os fardados te acham numa velocidade impressionante. Celeridade que poderia ser idêntica ou semelhante para que a Justiça pudesse agir na corrupção, contra casos de violência de gênero e…a lista só aumenta se pensarmos onde poderíamos aplicar a ''doação'' (o que me parece ser um sonho distante de acontecer).
Empenho que deveria ser rápido, por exemplo, em salvaguardar Paulo Alberto da Silva Costa, homem negro que ficou três anos na cadeia após acumular 62 ações penais - sendo 59 por roubo, e as demais por homicídio, latrocínio e receptação. Acusações que se ''justificaram'' pelo uso de reconhecimento por foto na delegacia, atitude considerada ilegal pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Paulo roga agora pelo indulto feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro ao presidente Lula, apoiado pelos ministros Silvio Almeida e Anielle Franco.
Enquanto escrevo este texto, vejo rolar no feed do Instagram um vídeo em que uma criança norte-americana suplica para que agentes policiais ''larguem'' sua mãe, acusada de roubo em uma loja. Na cena, ela é clara: ''Vocês não acharam os óculos, não foi a minha mãe. Deixem ela em paz''.
É preciso dizer mais alguma coisa?
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