PL 1904/2024: Brasil precisa ir às ruas contra o retrocesso
Não há como argumentar sem se emocionar, em algum momento. Enquanto escrevo, meus olhos doem, num rápido exercício de violência mental causado às mulheres, vítimas de escrutínio público desde o nascimento por serem mulheres, agora na eminência de serem tidas como homicidas, caso precisem fazer uso do aborto legal com mais de 22 semanas de gestação.
É o que propõe o projeto de lei 1904/2024. Ele prevê que aborto com mais de 22 semanas de gestação seja considerado homicídio em qualquer situação. O texto inclui até mesmo os casos de gravidez após estupro.
O que o Brasil tem vivido desde a semana passada é talvez a continuação mais direta do abismo, desde 1º de janeiro de 2019, quando Jair Messias Bolsonaro subiu a rampa do Palácio do Planalto como presidente da República. Mesmo sem estar em exercício, seu legado se apropria de maneira ultrajante sob os comandos e subcomandos do que acontece no país. O presente de grego que deixou, o presidente do Congresso Nacional, Arthur Lira, é responsável pelo caos. Um caos que pactua misoginia e, por que não, racismo.
Nós sabemos quem são as principais vítimas do Estado. Sabemos também onde moram e os motivos que as fazem recorrer ao aborto, que nunca deixou - nem deixará de ser - uma pauta de saúde pública. E pronto. Aqui, poderíamos terminar o debate sobre a temática. Mas o machismo e o poder insistem em se apropriar das estruturas e usurpá-las sob a égide de uma proteção falsa de ordem e respeito ao núcleo familiar.
E não: essa conversa não tem absolutamente nada a ver com religião. Aliás, é errado apontar católicos e também pessoas dos segmentos evangélicos como causadores deste momento, num discurso que une fé e abraço à vida. Quem fizer essa correlação está sendo preconceituoso, no mínimo.
O que vemos agora é uma batalha sobre os corpos femininos. Sobre seus limites. Sobre o que se pode ou não fazer. Sobre quem quer ter o direito ao ''sim''.
Não precisaria nem dizer que, se fosse um homem sendo estuprado, a lei nem chegaria a ser criada. Até porque, no Brasil, parece ser preciso sentir, aparentemente na pele, para enfim, legislar sobre algo.
As mulheres são a força-motriz dessa nação. Se unidas, conseguem a mudança. E quem está do outro lado, que apoie.
O Brasil precisa ir para às ruas contra o retrocesso.
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