Eduardo Carvalho

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Opinião

A quem interessa a voz de Maya Massafera?

Não foi possível nem mesmo aguardar o seu próprio tempo e espaço após as cirurgias para que Maya Massafera rompesse o silêncio mais estridente dos últimos tempos e viesse a público para, enfim, trazer o objeto de desejo e consumo que o 'Brasil' queria: ouvir sua voz após sua intervenção.

Quase retirada a fórceps, não bastou o sofrimento de uma vida quase toda noutro corpo. Foi preciso também passar pelo escrutínio coletivo que hora sim, hora também, ansiava para saber como seria o novo som emitido pela boca da it girl mais famosa do país, a mulher que causou sem dizer uma única palavra. Apenas biquinhos e batidinhas de unhas. E pronto.

Houve até quem a fizesse subornos, alegando ter, gravados, áudios exclusivos sobre seu atual momento, sem desconfiar que, numa ida ao salão, pudesse deixar mais do que sua beleza revigorada, sua liberdade castrada para ser exibida sem seu consentimento.

Afinal de contas, a quem interessa expor mais do que o devido a vida de alguém que acaba de fazer uma transição de gênero? Nesse aspecto, não se salvam nem direita, nem esquerda. No fim, todo mundo entra no bojo dos que desrespeitaram, em escala maior ou menor, a escolha individual de uma pessoa. Mas…a que preço? Likes? Cliques? Manchetes? Apenas pelo sentimento de dizermos ''demos primeiro''? Que bobagem.

Na figura de Maya, a coragem, característica tão exaltada tradicionalmente nos homens, só poderia existir em uma mulher, enfrentando tudo e todos. Ou melhor: nas mulheres. Tem que ter, e muita, para bancar um movimento que redesenha sua própria história, suas dores, suas feridas, em busca de uma felicidade que não se basta. Vai além, se multiplica e empodera - que palavrinha batida - muitos e muitas por aí. Sua avidez se conecta à revolução que não é qualquer um que está preparado (a).

''Quando eu quis transacionar, eu quis ir pro útero da minha mãe. Começou a sair tanta matéria distorcida e eu vim dar a cara a tapa. É tanta cobrança de muita gente pra ver se minha voz tá feminina suficiente (…) Eu sou uma mulher travesti. Eu quero parecer. Eu sou uma mulher de verdade'', foram algumas das palavras que trouxe num vídeo publicado nas redes.

''Daqui alguns anos, se Deus quiser, vamos olhar pra trás e falar: ''Por que a gente queria saber se a Maya pode ir no banheiro feminino?'' E é óbvio que posso. Eu, Maya, tô muito feliz. Peço desculpas se estou desapontando alguém. Ninguém pode cobrar nada de mim, eu não sou política. Eu quero fazer muito pela minha classe''.

Isso basta. Entenderam?

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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