Empreendedor social coordena fundo milionário para reconstruir o RS
Imagina só você ser gaúcho e, de uma visita simples à família para comemorar sua sobrinha, ver-se afogado num clima diferente do que se tinha pensado? Foi o que aconteceu com Tarso Oliveira, que, desde o fim de abril, quando a tragédia climática acometeu a região sul do país, está baseado na região e acaba de assumir um desafio que se relaciona com a vida profissional: ser coordenador de um fundo para a reconstrução do Rio Grande do Sul, o RegeneraRS.
Como ele mesmo diz, ''tem trabalhos que nós escolhemos e aqueles que nos escolhem''. Por meio de uma união entre o Instituto Helda Gerdau (IHG) e a Din4mo Lab, o fundo já conta com uma doação inicial de R$ 30 milhões da Gerdau e do IHG e de R$ 8 milhões da Vale. O objetivo é apoiar projetos voltados para a reconstrução do estado.
O projeto tem como prioridades quatro eixos que atuam em conjunto: Educação, Habitação, Soluções Urbanas e Negócios. ''Eles refletem muito o tamanho do problema que a gente enfrenta agora'', diz Tarso, em conversa com a coluna sobre o projeto.
Você esperava ser chamado para a coordenação do Regenera?
Tarso Oliveira: Como todo gaúcho, eu fui pego meio de surpresa, apesar de morar os últimos 12 anos no Rio e desenvolver toda minha carreira profissional aqui. Eu fui dia 20 de abril, antes de acontecer as enchentes, porque estava visitando minha sobrinha que tinha chegado na família. No primeiro dia a gente foi para um abrigo fazer alimentos e ajudar lá, porque onde a minha mãe mora não tinha sido afetado no primeiro momento. Gradativamente eu fui me envolvendo nesse processo de reconstrução. Acabou que a Din4mo Lab, que é a gestora do fundo, me chamou pelo fato de conhecer o território, pertencer ao território, ter nascido nele, para eu fazer a coordenação. Para mim, eu já estava no movimento meio que querendo atuar de uma forma mais sustentável. Dedicar mais o meu trabalho a isso. Para mim, acho que casou os dois pontos, por causa do trabalho com o impacto e também por ser gaúcho. Eu não esperava estar na coordenação e principalmente trabalhar com filantropia. É um projeto que está tendo muita visibilidade e também, por isso, muita responsabilidade.
De alguma forma, a sua trajetória ser voltada às classes em vulnerabilidade te faz ter uma análise clínica e crítica sobre o que de fato é preciso nesse momento?
Quando assumi o Regenera, assumi com esse viés da promoção da equidade e da justiça climática. Eu sabia que o fundo estava sendo desenhado e, ao mesmo tempo, eu tinha uma preocupação muito grande com esse capital financeiro. Por mais que ele seja filantrópico, ele não iria de uma maneira intencional ou direta para as pessoas que estão em vulnerabilidade em processo histórico e sistêmico. Então eu comecei a me perguntar como eu poderia ajudar nesse momento e, eu acho que sim, a minha trajetória em trabalhar com pessoas que estão em situação de rua e hoje trabalhar com públicos de diversidade faz com que tenha uma análise mais crítica em todos os projetos. Então é o cuidado com as incoerências, com essas intermediações e, de fato, fazer as perguntas: os projetos estão sendo realmente transformadores ou não? E, ao mesmo tempo, de uma forma indireta, ver se a doação do Regenera para os projetos perpetua a desigualdade ou combate, porque às vezes fica meio dúbio. Ter vindo de uma classe mais pobre e ter transitado por todas essas trajetórias me faz ter um pensamento mais crítico nessas horas.
Como os quatro eixos (Educação, Habitação, Soluções Urbanas e Negócios) se conectam e fortalecem este momento?
Eles se conectam de uma forma muito intrínseca, que é até difícil às vezes a dissociação deles. Ao mesmo tempo que eles se conectam direto com a questão de negócios, a gente vê uma relação intrínseca da garantia da habitação dessas pessoas. Porque os negócios se fortalecem, esses empreendedores conseguem manter suas famílias ali e a geração de emprego e a educação estão totalmente conectadas. Uma coisa está conectada na outra.
Já há um plano voltado para avaliar essas iniciativas?
Nós temos todo um processo no site, onde as pessoas entram, fazem a submissão e a gente tem um comitê executivo que faz a avaliação desses projetos e critérios. A gente agenda uma reunião com eles, faz uma avaliação e leva para o conselho deliberativo fazer as decisões. Hoje a gente já tem um processo criterioso para ver se, de fato, as soluções propostas são para um problema real e também em prol da regeneração.
O que vocês têm percebido de retorno de quem está recebendo o aporte?
Sempre tento diferenciar impacto e transformação social, porque para mim são processos dentro da mesma linha. Estamos conseguindo promover transformação social na ponta, através dessas doações, de uma forma mais ágil, porque no fim obviamente a gente tem um desafio de escala que o poder público vai ter que intervir. Auxiliar uma pessoa a sair de uma situação de vulnerabilidade por não ter uma habitação. e fornecer uma casa para ela, é um processo de transformação social, por exemplo.Temos uma área de monitoramento e aprendizagem, que faz essa análise constante dos projetos. A gente acredita que, no longo prazo, vamos ter muitos desdobramentos desses impactos para a transformação social.
Vocês acreditam que podem regenerar o pensamento e preparo para as mudanças climáticas na região?
Grande parte do objetivo do Regenera, para além da doação, é se a gente pode influenciar em diferentes camadas dentro da sociedade civil, com a população, o poder público, o setor privado para promoção de uma consciência coletiva em justiça climática. A gente aqui dentro olha muito para a mitigação, mas também olha para prevenção. Então, gerar esse tipo de aprendizado e esse tipo de produto, dessa reconstrução e regeneração, dessa mitigação e dessa prevenção, é um começo de um processo de mudança.
Acho que a gente não teve acesso a esse tipo de conteúdo e é algo que o Regenera quer mudar: ele entende que não vai mudar sozinho. Então a gente pensa em criar uma grande coalizão, uma mobilização, que é um verbo que a gente usa muito aqui dentro, com coletivos, instituições, fundações, poder público, advogados, instituições financeiras para discutir essa questão do Rio Grande do Sul como um grande laboratório para a gente pensar: '' Beleza, aconteceu lá, mas o que a gente faz para não acontecer mais?''. Acho que é uma grande pergunta que estamos fazendo de uma forma constante.
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