Antonio Cicero: quando o coração luta pela dignidade
Dentre muitas decisões, a de escolher quando o coração deve parar, definitivamente está longe de ser uma mera opção. Mas quando alguém põe a atitude em prática, como fez o poeta e compositor Antonio Cicero, ajuda a desmistificar o tema e a colocá-lo na roda.
Em sua carta de despedida, comovente, o imortal da Academia Brasileira de Letras foi simples e direto: escolheu pela não continuidade de vida em que perderia não só as memórias dos seus, mas sobretudo, de si. Submetido a remédios e tratamentos que também, aos poucos, significariam uma espécie de morte. Algo que, na maioria dos casos, violenta não somente quem está enfermo, como todos à volta. "Ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação'', traz um dos trechos da despedida.
Cicero fez um procedimento de morte assistida na Suíça nesta quarta-feira (23). A legislação do país permite a prática, chamada por alguns de "boa morte", com uma condição: não ser feita por razões "egoístas". Segundo a "Swissinfo", suicídios assistidos são cerca de 1,5% das 67 mil mortes registradas em média no país a cada ano.
Na América Latina, só a Colômbia apresenta leis que permitem tanto o suicídio assistido como a eutanásia. Já, no Brasil, a decisão é vista como um 'homicídio privilegiado'.
Muitos são no Brasil os que, neste momento, enfrentam doenças graves e poderiam ter esse direito, com aparato médico, sem serem expostos a uma situação de vulnerabilidade ainda maior em uma luta inglória contra uma indústria que tem como fim a ampliação de suas cifras. Cicero tomou a decisão tendo acesso aos melhores tratamentos e profissionais para enfrentar o Alzheimer, além da opção de escolher a eutanásia.
Aliás, para avançar na área da saúde, o Brasil poderia introduzir discussões sobre o tema. E fazer isso com destaque no SUS (Sistema Único de Saúde), garantindo que pessoas de baixa renda também tenham acesso, sem serem excluídas por falta de recursos financeiros.
Hoje, para além do legado em poesias, ensaios, obras e músicas que fazem parte do imaginário coletivo brasileiro, Antonio Cicero deixa um belo exemplo de quem seguiu, mesmo na hora da morte, pela dignidade, afirmando a vida. "Tenho consciência de que quem decide se vale a pena ou não sou eu mesmo".
Não haveria ato maior do viver senão esse.
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