Eduardo Carvalho

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Reportagem

Raí leva Gol de Letra ao Nordeste com projeto inovador

Mais do que um ídolo do esporte, Raí é um verdadeiro agente de mudança social. O ex-jogador, que vai completar 60 anos em 2025, o ex-jogador continua a inspirar por sua dedicação à Gol de Letra, fundação que personifica seu compromisso com a transformação de vidas e realidades.

Criada com o propósito de construir um Brasil mais justo e igualitário, a Gol de Letra reflete a paixão de Raí por proporcionar oportunidades para crianças e jovens desenvolverem seu potencial. Um projeto costurado por sua própria trajetória de sucesso, dos gramados ao ativismo pelos direitos humanos.

Na entrevista a seguir, direto da França, Raí compartilha a jornada da Gol de Letra, com metodologia que se espalha pelo país, unindo educação integral, o poder do esporte e da cultura, e que agora deve chegar ao Nordeste. Por lá, a ação deve expandir o impacto do projeto com atividades lúdicas como pilar para o desenvolvimento humano,

O maior gol de letra é despertar nessas pessoas o prazer de aprender com oportunidades, o prazer de aprender, o prazer de se capacitar. Raí

Leia abaixo a entrevista com Raí.

Ecoa: A Gol de Letra está completando 25 anos. Olhando para trás, qual você considera o maior 'gol' na vida dos mais de 30 mil crianças e jovens atendidos?

Raí: O maior gol que a Gol de Letra proporciona para os seus beneficiados, não só crianças, jovens, adultos, mas também as famílias e o bairro de uma maneira geral, é primeiro despertar nessas pessoas o prazer de aprender com oportunidades, o prazer de aprender, de se capacitar de se desenvolver, o desenvolvimento humano mais completo, que é a nossa educação integral, e junto, e talvez mais importante ainda, com essa capacitação, esse empoderamento. Despertar também o espírito crítico, que tudo que a gente oferece tem que ser um direito, tem que ser encarado a um direito, tem que ser um direito que eles têm que buscar, que eles têm que ver onde tem, e se não tiver, tem que reivindicar e perceber que isso faz a diferença na vida deles, na vida da família, da comunidade, mas que isso tem que, de alguma forma, eles valorizarem isso também como tendo uma consciência de que da injustiça que nosso país vive, que aquilo que eles estão conseguindo através da coisa de letra, é uma coisa que tem que ser a busca de dignidade, que isso tem que ser para todos.

O trabalho está presente atualmente em comunidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Você tem planos de expandir a Gol de Letra para o Nordeste, transformando um projeto de bairro em um modelo para uma cidade inteira. Quais são os seus objetivos com essa expansão e como você pretende garantir a sustentabilidade do projeto?

A gente tem o nosso projeto de disseminação da nossa metodologia, há mais de 15 anos, em mais de 15 outras regiões do país, em que a gente não tem centros próprios, mas tem formado pessoas para fazer a mesma coisa, a mesma filosofia, a mesma metodologia que a gente tem em São Paulo e no Rio. A gente consegue atingir muito mais gente através dessa disseminação da metodologia de programas que funcionaram em São Paulo e no Rio, disseminação também da nossa essência, da nossa metodologia educacional, da educação integral, do envolvimento das comunidades. E, através de várias atividades, vários programas, a gente consegue disseminar todo esse conceito e já conseguimos em várias outras regiões do país, o que ajuda também a sustentabilidade do programa, do projeto, ajuda na credibilidade, ajuda a ter mais resultados. E o projeto de uma cidade que eu desenvolvi, baseado também muito que aprendi na Gol de Letra, no meu mestrado, aqui na França, que eu quero implantar numa cidade do Nordeste, é sim baseado nessa ideia de o que tudo que a gente faz num bairro, numa comunidade, atingir a população como um todo geral. É uma cidade do Nordeste que acho que tem essa vocação, o projeto se chama 'Ludicidade', baseado em atividades lúdicas como desenvolvimento humano, econômico, social. Estamos fazendo contatos, muita gente já se interessou em trabalhar, em apoiar, instituições importantes que leram e disseram 'quero participar disso' e isso me deixa feliz. Por enquanto ainda é um projeto, é um sonho e sempre que eu falo que, assim como a Gol de Letra nasceu de um sonho hoje, impactou milhares e milhares de crianças, comunidades, famílias, esse sonho dessa cidade lúdica, a 'Ludicidade', como um pilar, um dos pilares centrais do seu desenvolvimento e o desenvolvimento da sua população. É um sonho baseado em muita pesquisa que eu fiz aqui e muita prática que eu aprendi em vários projetos.

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Você completou recentemente um mestrado em políticas públicas, comprovando a importância da educação integral e do esporte como ferramentas de transformação social. Como você pretende aplicar esses conhecimentos na Gol de Letra e em outras iniciativas?

A iniciativa de começar esse mestrado em políticas públicas aqui na França é baseada na Gol de Letra, e ao mesmo tempo, teve muito aprendizado. Tudo que eu aprendo, tudo que eu leio, tudo que eu cresço, tudo que eu conheço, que eu tenho a oportunidade de conhecer, se eu vejo que tem algo a acrescentar, o que a gente faz na Gol de Letra, eu também acabo dividindo. Então com certeza muitos estudos de casos que eu fiz para esse mestrado, vou compartilhar com educadores, com os administradores, com a equipe da Gol de Letra em geral.

No discurso de premiação do "Homem do Ano", você afirmou que a Gol de Letra é a sua maior conquista, inclusive superior a qualquer título no futebol. Como é afirmar isso para um homem que tem feitos expressivos através do esporte? O que te impulsiona a dedicar tanto tempo e energia a esse projeto?

O que me faz crer que tudo que eu faço na Gol de Letra é muito maior é a paixão pelo que a gente faz, paixão para impactar a vida das pessoas. Essas relações humanas, isso é o que mais me motiva quando quero buscar motivação e eu vou na fonte, estou aí na relação. Educador, assistente social com família, com a atividade em si, né, do dia a dia do educador que tá ali. É apaixonante, né? Essa relação e essa transformação, esse aprendizado mútuo, a comunidade, comunidade com as nossas atividades, com os nossos profissionais. É uma paixão que vem, que vem a motivação também para, para continuar e de acreditar. Quanto mais a gente tem resultados, a gente parte de uma ideia, quando coloca em prática e vê que tem resultados, só faz a gente acreditar ainda mais. Fui apaixonado por futebol, tive uma carreira hipervitoriosa por onde eu passei. Tenho muito orgulho disso e agora isso só me serviu para potencializar tudo tudo que eu gostei de credibilidade de aprendizado no esporte. Tudo que eu construi no esporte, colocar isso a serviço de uma da minha paixão pós-esporte, é um grande privilégio.

Você menciona na sua tese que atividades artísticas e esportivas, quando combinadas à educação formal, devem ser direito fundamental, com o Estado como provedor. Como você enxerga o papel do Estado e da sociedade civil na garantia desse direito?

Existem já na constituição do Brasil e na grande maioria dos países, o direito e acesso à cultura, à atividade artística, ao esporte, à atividade física, mas isso não é detalhado, não é uma coisa que é encarada, apesar de estar na constituição, como algo primordial para o desenvolvimento humano e assim sendo, uma obrigação prática do Estado. De alguma forma, com esses estudos, fazer valer esse direito constitucional e lutar por isso, o esporte, a arte e a cultura. Eu provei nas minhas pesquisas que eu fiz dos estudos que existem, que além de potencializar a educação formal, conforme as pessoas têm mais informação, que tem mais, independente da escola, os jovens, crianças, hoje tem informação de todos os lados, as famílias também, essas atividades são essenciais, porque eles trazem um desenvolvimento cognitivo, social, socialização, entre as pessoas. Quando você faz uma atividade de teatro, uma atividade esportiva, uma atividade de recreação, as pessoas se abrem para a relação, as pessoas são mais democráticas, as pessoas tendem a respeitar regras coletivas e isso às vezes é mais importante do que a educação formal. Por isso que eu acho que tem que ter essa mudança, sair do papel da Constituição formal e entrar na prática como algo com tanta importância, com obrigação do Estado para ouvir isso.

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A Gol de Letra também se destaca pelo intercâmbio que promove, levando jovens para a Europa. Qual a importância dessa experiência internacional para os participantes? Que tipo de aprendizado você vê eles trazendo na bagagem?

Os projetos de intercâmbio são transformadores. A experiência de viver em outro país, como a que tive na Europa, amplia a visão de mundo e provoca reflexões profundas sobre a própria cultura e sociedade. O enriquecimento que eu tive como pessoa, como provocação de um outro ponto de vista da vida, do nosso país mesmo, de ver o nosso país potencializado de uma forma, é transformador. É uma experiência que todos eles dizem ser forte, não só pela viagem, pela beleza, mas por esse intercâmbio cultural, educacional, de atividades, metodologia, de esportes, de artes. Teve uma vez em que uma uma jovem francesa veio, devia 15 anos, viu aquela situação de crianças na rua, sem saneamento básico, e perguntou, e disse: ''me explica como que essas crianças também, ainda são felizes?'' Eles percebem já na primeira olhada nosso calor humano que eles chamam aqui, a alegria de viver, apesar de todas as dificuldades, que é uma coisa que é muito rara. Às vezes nos traz prejuízo, porque a gente também é muito complacente com coisas que a gente devia se indignar mais, com realidades terríveis que o Brasil vive, mas ao mesmo tempo, eu tenho o lado positivo, de um povo que tem esperança, que tem alegria. Eles podem ser, como a gente falou, de transformar isso com uma visão crítica e transformar em potência. E é o que eles mais admiram quando eles vêm para cá, essa relação humana que o Brasil tem diferente do mundo todo. Então eles também aproveitam. E quando o brasileiro vem para cá (França), óbvio que, principalmente quando sai de bairros, pobres pessoas que nunca saíram do seu bairro e vê um mundo novo que se abre, com certeza as perspectivas de vida também delas se abrem e percebem que tem muito mais a ser explorado na vida e no mundo do que eles imaginavam.

A Gol de Letra teve uma participação importante no C20 (Civil Society 20), elaborando recomendações para o G20 nas áreas de educação e equidade de gênero. Quais são as principais propostas para os líderes mundiais e como elas podem contribuir para um futuro mais justo e igualitário?

Tudo que a gente acumulou nesses 25 anos e de temas variados, que começa pela educação integral, mas passa pela gestão de conflitos, com as atividades na família, no bairro, falando de questão de gênero, sexualidade, preconceitos, um trabalho muito rico nesse empoderamento de equidade de gênero, direitos das mulheres, violência, violência também do lar, e então a gente tem um trabalho bem amplo, um trabalho de educação comunitária, São atividades que precisam envolver a família, tem que envolver a escola, tem que envolver as instituições do bairro. A gente tem muita experiência prática a ser dividida e quando a gente consegue sistematizar isso, a gente aproveita esses fóruns para que isso possa servir e talvez colaborar para futuras soluções de problemas que na verdade, são globais.

O ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome) visitou a unidade da Gol de Letra no Rio de Janeiro e se emocionou com a ilustração de Sócrates. Como você vê o legado do seu irmão e a inspiração que ele representa para a Fundação e para a luta por justiça social?

Sócrates é uma figura inspiradora. Tem um legado de valores democráticos em liberdade, de justiça social, que está intrínseco às suas lembranças, à sua imagem, e uma prova, uma coisa muito espontânea, onde a gente começou o projeto da Gol de Letra em São Paulo. A gente era uma escola antiga, abandonada. Depois de um tempo a gente resgatou o espaço - continuamos no bairro - mas depois de uns 15 anos essa escola voltou a ser uma escola pública e a gente colocou numa coisa democrática e foi escolhido o nome escola Dr. Sócrates, brasileiro. E no Rio, a mesma coisa, no Caju (Zona Norte), a gente construiu um ginásio novo no meio da comunidade. Nesse ginásio a gente colocou em votação com os jovens, crianças, famílias e o nome escolhido foi do Sócrates. O legado dele vai muito além do que da família, da gente, do que ele influencia, do que ele inspirou também para a Gol de Letra, e que vai continuar inspirando. Hoje a gente em muitas escolas públicas com nomes Sócrates, e vários países que se interessam pela história da sua liderança, da redemocratização do país, da democracia corintiana. O Dan Stulbach se emociona sempre ao contar que a primeira vez que ele escutou, que aprendeu, a palavra democracia, foi da boca do Sócrates. É um exemplo prático de uma pessoa que virou também um formador de opinião, um ativista também, um ator que acaba atingindo outras tantas milhões de pessoas. É um exemplo pontual da grandeza que representou a história e representa a história do Sócrates.

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A Gol de Letra atua de forma complementar à escola pública, desenvolvendo habilidades socioemocionais que contribuem para o desempenho escolar dos alunos. Como você enxerga a importância dessa parceria e os desafios da educação no Brasil?

Desde o início, a Gol de Letra valoriza a escola pública e busca complementá-la com atividades artísticas, esportivas e culturais. A parceria com escolas públicas é fundamental para a nossa missão de promover a educação integral. A solução para o nosso país é valorizar a escola pública, investir em escola pública, valorizar os educadores, que são os que fazem a diferença. A Gol de Letra é um ator desse movimento de melhoria da educação pública, e tem grandes movimentos, por exemplo o 'Todos pela Educação', e tantos outros que eu faço parte, parcerias em secretarias de municipais de educação, de estado. A sociedade tem, além de contribuir, tem que ajudar na valorização da escola pública e a conscientização dos seus poderes, de quem decide as políticas públicas, de investir cada vez mais nessa grande revolução que é a melhoria da escola pública para todos no Brasil.

Baseado nos meus estudos, eu acho que o Brasil tem um potencial gigante. A escola pública é um potencial gigante a ser explorado nas atividades educacionais, artísticas, esportivas, de colaboração e de recriação. O Brasil é um país que tem vocação pro esporte, pra arte, pra tudo que é criativo. A gente já perdeu séculos e agora ganhar tempo é usar o que o brasileiro tem de melhor, que é alimentar, estimular tudo que a gente tem de criativo, positivo, de humano, de amoroso e de riqueza, de experimentações. E aí a educação pública, com certeza, vai dar um salto muito grande Isso fazer parte da nossa vocação é um diferencial nosso com relação a outros países.

O objetivo da Gol de Letra é garantir o acesso a direitos básicos como educação, esporte, cultura e empregabilidade para crianças e jovens de comunidades vulneráveis. Que mensagem você deixa para a sociedade sobre a importância de investir em projetos sociais que promovam a inclusão e a igualdade de oportunidades?

Apoiem cada vez mais o trabalho das ONGs. O Brasil é um país rico, é um país que acumula suas riquezas, tem que ser um país mais generoso, que pode distribuir e fortalecer os seus projetos, as suas instituições não governamentais, associações, institutos, pesquisas.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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