Um país feliz por uma atriz
Poderia ter sido nos campos de futebol ou nos autódromos, através das corridas que marcaram os domingos. Mas, não. Quis o destino que a madrugada deste seis de janeiro, quando chegam três reis magos para saudar o menino Deus, que Fernanda Torres subisse ao palco do Globo de Ouro trazendo, em vez de mirra, incenso e ouro, orgulho, alegria e emoção por seu prêmio de Melhor Atriz de Drama em "Ainda Estou Aqui".
Ela pediu que não fosse um clima de Copa do Mundo, mas é inevitável: somos apaixonados pela ideia de celebrar qualquer conquista que nos traga um pouco de felicidade, ainda mais quando envolve alguém que leva o manto verde e amarelo ao topo. Dá gosto resgatar a camisa, tão fulanizada por políticos nos últimos anos, para ostentar o patriotismo e a honra de ser filho dessa terrinha. E por falar português. E do quanto isso por vezes é ridicularizado, mas importa - e muito - pra nós.
Nós, que, em matéria de consumo, privilegiamos nossas histórias, apesar de uma síndrome de vira-lata abandonado que se apequena frente aos gigantes das indústrias. Foi Fernanda mesmo quem disse, meses atrás em entrevista ao UOL, sobre nossa capacidade de aplaudir 'coisa nossa', mesmo quando não é de conhecimento geral.
"A gente consome nossa própria cultura e tem interesse por nós mesmos. Eu conheço a cultura francesa, a americana, a italiana, mas eles não conhecem a cultura brasileira. O Brasil tem pena do mundo não saber o que a gente sabe."
A vitória de Fernanda, na primeira segunda do ano e após quase três décadas de quando sua mãe, Fernanda Montenegro, esteve naquele mesmo palco, se torna o respiro aliviado de quem sabe onde e como entrega. E de como nossa cultura é pulsante e potente, apesar dos pesares.
Faz o momento ser ainda mais forte, afinal, não faz muito tempo que a cadeia audiovisual enfrentava dificuldades mil em meio a uma pandemia, quando muitos projetos ruíram, tantos fazedores se foram ou se viram perdendo quem amavam, além, é claro, do desmando de um governo autoritário e pronto para acabar com tudo.
O tema, o assunto, a personagem. O livro e o diretor. A atriz e a equipe. E toda uma gama de significados que tornam o feito algo histórico. Que venham outras obras, muitas, que contem a multiplicidade de nosso país e por diversos prismas. Que nada seja apagado e que os tempos difíceis não se repitam. E sobretudo: que haja investimento.
Hoje foi dia de sorrir e, também, ir à luta, como Eunice Paiva ensinou em sua história, ressignificando o episódio da perda de Rubens Paiva, em plena ditadura. Um dia feliz, num país feliz por uma atriz.
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